terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Classe A (Pasárgada)

Confeso leitores(as), tá difícil. Agora nem conexão-discagem telefônica tenho mais (deu algum pau no computador da casa). E atualizar blog em lan house é ofício dos mais tristes (ainda mais quando o cara que toma conta do recinto fica acunhando pagodes dos mais vagabundos nas alturas). Deixemos os espinhos para trás, porém. E pra não dizer que não falei das flores, este sítio agora se presta de coluna social. Ontem o Dr. E. foi conferir o lançamento do romance Caballeros solitários rumo ao sol poente, primeiro no gênero do escritor Xico Sá.
A função foi no Bar Central, guarita do amigo André Rosemberg que fica ali por detrás da Assembléia Legislativa do invicto Pernambuco. E não deu pra quem quis: os exemplares do Caballeros acabram-se antes do primeiro terço da noite. Eu mesmo não vi uma linha do papiro. Tive que me contentar com o autor em narrativas de corpo presente (seria o João Paulo Cuenca?). Pois bem, agradeço ao sucesso do nosso Francisco Reginaldo que, além deste que tece estas mal-traçadas, arregimentou as melhores almas da vila maurícia. Caros amigos(as), compomos ontem uma das mais lindas mesas que já tive o prazer de integrar. Quase fundamos um movimento! E seria encabeçado por Fabinho Trummer, o rei da noite, com suas mais tocadas (e a radiola de ficha tava aviciada, tava?!). Fora o nosso homem del sevaje portunhol e o terror de Bairro Novo, vejam que nível de escrete: Adriana "Miss Soledad" Vaz, Ana Paula Portela (S.O.S. Corpo), a flor Dani de Lacerda, o ministro Renato L, ZeroQuatro, Gutti, o faraó Keops "Raval" Ferraz, Duda "Risoflora" Belém, o pequeno príncipe Marcelo Luna, o marinheiro de mares nunca d'antes Guga Peixoto, o platino das letras Alfredo Cordiviola e sua dama, musa de todos os periféricos cosmopolitas, Ângela Prysthon...
Fina flor do meu Recife que não queria que acabasse jamais. Homens e mulheres de minha cambaleante existência. Não me recordo de uma última patuscada tão digna! De uma cerveja tão nobre! Guardarei em minha víscera canhota cada ml entornado. Seria o caso de propor já propondo: ei, mesa, vamos fazer mais uma vez?! Quem sabe na próxima o subcomandante pega seu cavaco e manda, no seu esquema noise, o samba já eleito da estação:"Pôxa, como foi bacana te encontrar de novo..."

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Retour & bad trips

Em primeiro lugar, peço desculpas aos possíveis freqüentadores deste sítio por minha estranha ausência. Translados territoriais, trabalhos, conexão de web ruim (discagem-modem, lembram?!), amigos e farras foram as razões para ocultar minha já capenga verve criativa. Esforçando-me para não abortar a missão, tento retomar o cultivo deste jardim de pixels, mesmo que os motivos acima não tenham dado trégua. Nenhum deles...
__________________________________________________

Desde minha chegada ao Recife há uns 15 dias atrás, um assunto que tem ecoado com bastante freqüência nos meus ouvidos é o consumo de crack pelas novas gerações da cidade.
Sobre o tema, antes que me acusem de reaça ou moralista, quero deixar logo claro: sou a favor da liberação das drogas. E de todas, sem exceção. Partilho do catecismo dos que acreditam nos “avanços da química aplicada no terreno da alteração e expansão da consciência”, além disso, creio que tal medida jurídica desarticularia o tráfico, acabando com a mamata de muita gente poderosa que anda oculta poraí. Mas, entre a liberdade individual de uso* e o consumo massificado e degradado, como parece estar acontecendo por aqui, vai uma distância enorme. Pelo que eu escuto falar - e não poucas vezes – a coisa tem ganhado ares de patologia social, com uma galera se afundando na “pedra” sem nenhuma contrapartida de idéias ou de movimentação criativa, pois o Recife hoje exala muito mais uma atmosfera sombria do que a vivacidade artístico-cultural da década passada. Parece-me que as dívidas que esses novos usuários de crack da cidade vêm acumulando com os seus fornecedores não têm pagado suas viagens. Só bad trips...

*Para quem gosta de nota de rodapé, vai a dica: Vícios não são crimes, do advogado norte-americano Lysander Spooner (ed.: Aquariana).

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Ferrugem dos dente (notas de chegança III)

Madalena-Recife (lan house perto do Cecosne), hoje 13:53:
"Caba bom, já já chego aí, pra deixar os dente na maresia até enferrujar feito aro de bicicleta véia."

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Pernoite limpezinha (notas de chegança II)

Carmo-Olinda, domingo 25/11 21:12:
"O bagulho é louco, o processo é lento e o delegado é noiado. Na limpezinha sem comédia, num pode passar das zero hora, é a pernoite."

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Caxangá (notas de chegança)

Ouro Preto-Olinda, sábado 24/11 16:34:
"Conclui Direito na Católica, tenho especialização em Penal, agora tô fazendo outra pós e inglês em cursinho, todo esse currículo, mas meu namorado mora na Mustardinha."

domingo, 25 de novembro de 2007

Súplica da natureza - notas dominicais XXVIII

"A natureza não me disse: 'Não seja pobre'. Nem disse: 'Seja rico'; mas me implorou: 'Seja independente'."
Chamfort, Máximas (1795)

sábado, 17 de novembro de 2007

Maurícia Vila Morena - notas dominicais XXVII


Há quanto tempo que não te vejo!
Não foi por querer, não pude.
Nesse ponto a vida me foi madrasta,
Recife.

Mas não houve dia em não te sentisse dentro de mim:
Nos ossos, nos olhos, nos ouvidos, no sangue, na carne,
Recife.

Não como és hoje,
Mas como eras na minha infância,
Quando as crianças brincavam no meio da rua
(Não havia ainda automóveis)
E os adultos conversavam de cadeira nas calçadas
(Continuavas província, Recife)

Eras um Recife sem arranha-céus, sem comunistas
Sem Arraes, e com arroz,
Muito arroz,
De água e sal,
Recife.

Um Recife ainda do tempo em que o meu avô materno
Alforriava espontaneamente
A moça preta Tomásia, sua escrava,
Que depois foi a nossa cozinheira
Até morrer,
Recife.

Ainda existirá a velha casa senhorial do Monteiro?
Meu sonho era acabar morando e morrendo
Na velha casa do Monteiro.
Já que não pode ser,
Quero, na hora da morte, estar lúcido
Para mandar a ti o meu último pensamento,
Recife.

Ah Recife, Recife, non possidebis ossa mea!
Nem os ossos nem o busto.
Que me adianta um busto depois de eu morto?
Depois de morto não me interessará senão, se possível,
Um cantinho no céu,
"Se o não sonharam", como disse meu querido João de Deus,
Recife.

(Recife, poema de Manuel Bandeira)

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

O rei está nu!

A carapuça do rei
Luís Carlos Lopes

É estranha a sobrevivência de algumas antigas instituições que têm uma história lamentável. A maior parte das monarquias foram, há muito tempo, depostas. Quase sempre, mais ou menos pacificamente, tal como ocorreu no Brasil de 1889. Entretanto, alguns monarcas perderam suas cabeças. Um dos casos recentes e rumorosos é o do tsar russo, fuzilado na nascente União Soviética, junto com toda sua família. Por lá, fez-se quase o mesmo que os ingleses fizeram no século XVII e os franceses, no final do XVIII. O escândalo desta execução contemporânea, ainda ressoa, como um dos fantasmas da quase centenária revolução bolchevique.

A palavra de ordem ‘Morte ao Rei’ era um elemento de mobilização liberal, revolucionária e popular no século XIX. As monarquias impediam reformas e revoluções, seguravam a história e a manutenção dos seus privilégios. Aliavam-se, na fase absolutista e na constitucional, com as elites no poder. Os reis da Itália e da Espanha aliaram-se ao movimento fascista, a partir da década de 1920. O rei do Japão fez o mesmo com os peculiares fascistas japoneses. As burguesias destes países não viram qualquer problema em preservar e alimentar estas velhas instituições, baseadas no poder hereditário. Elas eram símbolos da conservação.

No caso inglês, a maior parte da nobreza inglesa manteve-se, na era do fascismo, leal à Inglaterra e ao poder liberal. Isto foi feito, sem jamais abdicar das benesses do poder e de posições sociopolíticas profundamente conservadoras. A monarquia britânica, com toda a sua história passada de horror, escravidão e poder, nunca deixou de simbolizar seu passado de opressão dos povos coloniais e de soberba neocolonial, mesmo a partir das últimas décadas do século XX. A decrepitude desta instituição mantém-se como um signo. Este impede qualquer avanço, além dos limites impostos pelos atuais donos do poder. Passado e presente sentam junto à mesa e comem o mesmo banquete. O principal prato servido é o da dominação, como nos tempos imemoriais de onde vieram.

A idéia de república inflamou o coração de muitos na Espanha e nos demais países da década de 1930. Não foram poucos, os jovens de toda parte que rumaram para lá, lutaram pela liberdade, pela república e pelo socialismo. A derrota da causa republicana, as manutenções fascistas da monarquia e do poder clerical significaram um retrocesso que custou a vida de pelo menos um milhão de pessoas. A Espanha precisou aguardar meio século para se modernizar e, ainda hoje, respira um pouco deste passado. É verdade que o rei Juan Carlos não abraçou a idéia franquista de continuar o regime, em meados da década de 1970. É, outrossim, verídico que se ele não tivesse assim procedido, o fascismo espanhol teria inevitavelmente caído, talvez, com a abolição da velha monarquia local.

Nas mídias das atuais indústrias culturais, as nobrezas reais voltaram à moda. Têm sido feitos filmes que lembram do glamour das monarquias e ‘esquecem’ do horror social que representavam. Vários reis e rainhas depostos, ou ainda no poder, transformaram-se em celebridades póstumas ou atuais. As mídias continuam a falar dos ‘prodígios’ da nobreza, do seu fausto e, igualmente, dos seus incontáveis e pavorosos escândalos. Ao que parece, pelo mundo afora, pertencer às linhagens nobiliárquicas é também ser uma ‘persona midiática’, muito semelhantes aos membros do ‘star system’ contemporâneo. Eles continuam a viver da superficialidade, do dinheiro fácil, da fama conseguida nas mídias e, sobretudo, das alianças políticas com as forças da ordem.

O curioso é que Chávez falou de Aznar, político espanhol de inspiração fascista, mas foi o rei da Espanha que mandou que se calasse. Chávez lembrou que tem a legitimidade do voto, por mais que seja um pouco espalhafatoso e não tenha papas na língua. É certo que Chávez não falou no momento e lugar adequado, tendo sido pouco diplomático. Entretanto, qual é a legitimidade do El-rey mandar um chefe de Estado mestiço e atual, calar a boca? Passado e presente se encontraram, juntando a comédia à tragédia de sempre.

In: Carta Maior

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Dr. E. em desespero



Tem jeito não. Nem fim. Só com o descanso eterno ou com o final dos tempos. É trabalho chato até uma horas, dor de cabeça, de amor, aluguel, fraqueza nas pernas, no juízo... certo tava o velho Graça: vida=angústia. Agora é a vez do trabalho (ruim com ele, pior sem ele) apertar este estranho arremedo de editor-escritor. Aos frequentadores deste pergaminho eletrônico peço licença e compreensão para um ligeiro sumiço. A ôia tá pesadíssima e deve durar até a próxima semana. Mas, não deixem de aparecer, prometo volta triunfal, tal qual um Ulisses do Arruda com fome de tudo...

domingo, 11 de novembro de 2007

Originais do sonho - notas dominicais XXVI

"Nunca é tarde pra sonhar, mas isso quando se pode dormir."

Verso de Originais do sonho, faixa do Fome de tudo, disco novo da Nação Zumbi.

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Antropologia lírica do xêro

E quem disse que só de ignorância vive os trópicos?! O cronista Xico Sá (foto), qual um Gogol do miserê, acerta a mão e mete o nariz no costumbre que é puro lirismo nordestino...
Clique aqui e veja todo o requinte da civilização esquecida por Deus e pelo capital internacional.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

A fome de tudo da periferia


A fome de tudo da periferia devora Oswald de Andrade e seus afilhados. E o banquete está servido: esta semana rola em São Paulo a Semana de Arte Moderna da Periferia - Antropofagia Periférica, evento promovido pela Cooperifa – Cooperativa Cultural da Periferia. Ainda dá tempo de dar uma passada por lá - é de 04 a 10/11. A programação (com horários e locais) está neste link. Quem puder, acho que vale a pena dar uma fuçada nas exposições, mostras de vídeos, shows e apresentações. Abaixo segue o manifesto fodíssimo do evento escrito pelo poeta Sérgio Vaz, idealizador da função.


Manifesto da Antropofagia Periférica
Sérgio Vaz

A Periferia nos une pelo amor, pela dor e pela cor. Dos becos e vielas há de vir a voz que grita contra o silêncio que nos pune. Eis que surge das ladeiras um povo lindo e inteligente galopando contra o passado. A favor de um futuro limpo, para todos os brasileiros.

A favor de um subúrbio que clama por arte e cultura, e universidade para a diversidade. Agogôs e tamborins acompanhados de violinos, só depois da aula. Contra a arte patrocinada pelos que corrompem a liberdade de opção. Contra a arte fabricada para destruir o senso crítico, a emoção e a sensibilidade que nasce da múltipla escolha.

A Arte que liberta não pode vir da mão que escraviza.

A favor do batuque da cozinha que nasce na cozinha e sinhá não quer. Da poesia periférica que brota na porta do bar.

Do teatro que não vem do "ter ou não ter...". Do cinema real que transmite ilusão.

Das Artes Plásticas, que, de concreto, querem substituir os barracos de madeira.

Da Dança que desafoga no lago dos cisnes. Da Música que não embala os adormecidos.

Da Literatura das ruas despertando nas calçadas.

A Periferia unida, no centro de todas as coisas.

Contra o racismo, a intolerância e as injustiças sociais das quais a arte vigente não fala.

Contra o artista surdo-mudo e a letra que não fala.

É preciso sugar da arte um novo tipo de artista: o artista-cidadão. Aquele que na sua arte não revoluciona o mundo, mas também não compactua com a mediocridade que imbeciliza um povo desprovido de oportunidades. Um artista a serviço da comunidade, do país. Que, armado da verdade, por si só exercita a revolução.

Contra a arte domingueira que defeca em nossa sala e nos hipnotiza no colo da poltrona.

Contra a barbárie que é a falta de bibliotecas, cinemas, museus, teatros e espaços para o acesso à produção cultural.

Contra reis e rainhas do castelo globalizado e quadril avantajado.

Contra o capital que ignora o interior a favor do exterior. Miami pra eles? "Me ame pra nós!".

Contra os carrascos e as vítimas do sistema.

Contra os covardes e eruditos de aquário.

Contra o artista serviçal escravo da vaidade.

Contra os vampiros das verbas públicas e arte privada.

A Arte que liberta não pode vir da mão que escraviza.

Por uma Periferia que nos une pelo amor, pela dor e pela cor.

É TUDO NOSSO!

terça-feira, 6 de novembro de 2007

João Paulo Cuenca strikes again!

E não é com o Dia Mastrorianni, seu segundo romance recém saído do forno da editora Agir e que este editor ainda não leu - se manter a pegada do Corpo presente, continua maravilha; mas sim com sua coluna publicada hoje (que já é ontem enquanto posto) no Megazine (caderno juvenil) d'O Globo. Num é que o menino parece que tá acertando a mão nas crônicas?! Leiam e digam:

Tintim Festival e outras estórias

1. Uma vez por ano, um grupo de artistas da região metropolitana do globo aporta em terras periféricas. Nos subúrbios iluminados do planeta, nababescos picadeiros são erguidos especialmente para o festival de música, realizado em torno de uma plêiade internacional eleita por seitas secretas em rituais ainda mais secretos.

Dias depois, a sede cosmopolita dos habitantes desse povoado distante estará saciada — até a próxima grande atração estrangeira, também patrocinada por algum conglomerado multinacional.

2. Postados ao redor de uma praça na cidade do interior, os palcos que recebem tão prestigiosas atrações normalmente têm a lotação esgotada, apesar do estratosférico preço dos ingressos — que podem ser bastante mais caros do que os da metrópole.

Mas o que é um par de cobres perto da glória terrena? Durante dois dias, a praça do festival se transforma no centro nervoso da intelligentsia e elite locais, onde se reúnem os filhos dos capitalistas da província, seus trovadores, poetas, bobos da corte, estudantes, periodistas, damas de honra — e de companhia. Todos vestidos com roupa de missa no feriado.

3. O que causa espécie aos forasteiros que convivem com esse aglomerado humano tão especial é que, se todos pagaram caro para ter acesso aos palcos da quermesse, a maioria não está exatamente preocupada com o que se passa por cima deles.

Os espetáculos e seus performers estrangeiros são figuras secundárias ao lado de tão influentes presenças locais. Durante as apresentações, a selecionada platéia não pára de olhar sobre os ombros, se lamber com a vista, desfilar suas belezas e falar e falar — especialmente quando nada há a dizer.

4. No esperado show da Björk, durante as canções mais atmosféricas, este observador, que estava ali, na meiúca da muvuca, pôde testemunhar o murmurinho incontrolável.

Olhei ao meu lado e vi: a consagrada coreógrafa, o crítico musical paulistano, a atriz sub-18, o diretor de TV e seus figurantes de camisa justa, os formadores de opinião do balneário, e eles não paravam de ruminar palavras sobre palavras, como se precisassem da música para se esquecer da música. A atração no palco é coadjuvante desse espetáculo.

O brasileiro é a musa de si mesmo. Todos nós, na voluptuosa platéia, éramos infinitamente mais relevantes do que a pobre islandesa que se esgoelava no palco. A pequena só ganhava a atenção e as palminhas da turba quando dizia um desastrado “obrigado” — em português, “ooohs!” de admiração e orgulho pátrio etc.

5. Essa indiferença absurda e terrível chegou ao paroxismo no show do Antony and the Johnsons, que tentei ouvir duas vezes na mesma noite, sem sucesso em nenhuma das tentativas. O respeitável público não deixou.

Já que a música parece tão desimportante para essa audiência surda, acho que os bem-intencionados organizadores do festival poderiam, nos próximos anos, simplesmente fornecer a estrutura e, no lugar dos shows, projetar nos palcos imagens do público e suas vozes amplificadas.

6. Talvez pelo volume do som, o único show que vi e que não foi atrapalhado pela turba foi o do The Killers, de Las Vegas. A banda dândi, liderada por um mórmon de bigodinho, é tão grandiloqüente e cafona, que me faz pensar que se trata do Asia dos anos 00. (Alguém aí sabe o que é o Asia, ou estou, mais uma vez, falando sozinho e comigo mesmo?).

De qualquer forma, o Killers, que só tem dois discos, fez um show que parecia uma coletânea de sucessos em clima de comoção: uma moça ao meu lado chorou durante o concerto inteiro, jovens senhores berraram as letras em macarrônico inglês e voltaram para casa roucos e banhados de cerveja.

7. O Lasciva Lula, banda que possivelmente faria o melhor show do Tintim Festival deste ano, não pode acabar. Visite o site (www.lascivalula.com.br), ouça as músicas e incomode o quarteto.


**************************

Bom, não conheço o Lasciva Lula, mas a coluna traz ótimos instantâneos das terras de São Sebastião...

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Regimento russo


- Quer dizer, capitão Raskólnikov, que a tropa debandou?
- General Fiódor, ela nunca teve gana de vencer.
- E por que afirmas isso, capitão?
- Os soldados eram incapazes de abrir mão de suas vidas, general! Todos iguais! Tal como aquele antigo regimento alemão de Starkhaus. Bravatear, eis o que só sabem fazer! Na hora do vamos ver, se comportam como burgueses de merda...
- Mas, soube que você estava abusando com suas provocações e desmantelos. Gastar dinheiro com raparigas depois da Revolta de Kronstadt, foi uma ousadia perigosa... Aliás, sua fama de raparigueiro já ultrapassa os limites de São Petersburgo!
- General, a mim só interessa a revolução.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Cristo e o Camelo



As palavras podem criar engrenagens engraçadas (como esta própria seqüência de substantivo e adjetivo, por exemplo), proporcionando visões esquisitas e outras tantas maluquices mais.
Da janela do meu quarto, tenho uma vista privilegiada para o Corcovado. Mas afinal, o que quer dizer corcovado?
Segundo o dicionário que disponho em mãos: adj. Que tem corcova; curvado; corcunda.
Antes, nunca tinha imaginado uma aproximação entre o Cristo Redentor e o camelo (e verdade que o todo poderoso viveu na região do bicho).
Agora, sempre vejo Nosso Senhor montado no tal quadrúpede.

Rio, 18/05/99.

domingo, 28 de outubro de 2007

Selvagens - notas dominicais XXV


"- Capitão! - chamei.
- Ah, é o senhor, professor? Muito bem. Caçou muito?
- Sim, capitão, mas levantamos também um bando de bípedes bem perigosos.
- Bípedes?
- Selvagens.
- Selvagens? - retrucou o capitão, em tom irônico. - E o senhor admira-se de que, tendo posto o pé em terra firme, aí tenha encontrado selvagens? Em que lugar do mundo não há selvagens? Mas tranquilize-se, professor. Não há motivos para preocupações."

(Júlio Verne em 20 Mil Léguas Submarinas)

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Breve receituário para possíveis navegantes suicidas

Posts são como garrafas de náufrago jogadas ao mar. Fiz esta descoberta depois de publicar alguns que cheiravam a sangue. Família, amigos e até um ex-analista que não tinha mais notícias apareceram de todos os cantos e por todos os meios. O rol que segue abaixo, portanto, é de utilidade pública. Um pequeno receituário para possíveis suicidas do novo milênio:



1 - não tenham blogs, até porque será muito difícil escrever algo mais impactante do que o seu futuro ato (e sinto informar: os jornais, mesmo que fiquem esquecidos num arquivo público, lhes perpetuarão em sua coragem; suas escritas na rede, a menos que sejam famosos, muito pouco provável);
2 - caso tenham blogs, jamais escrevam na primeira pessoa;
3 - escrevendo na primeira pessoa, falem sempre dos outros, nunca de si;
4 - desrespeitando estes três primeiros conselhos, deixem de atender telefone(s), campanhia e checar e-mail ou messenger.

Espero que seguindo essas dicas consigam seus objetivos com bastante sucesso. São os votos do
Dr. E.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Esse é o alvorecer de tudo que se quer ouvir



Pegando carona no rabo do último post, segue outra dica musical, desta vez quentíssima:
"No Olimpo", faixa 12 do Fome de tudo, último da Nação Zumbi. Coisa mais foda que ouvi por esses tempos. Procurem e escutem. Ando chapado com ela no juízo...
(trechinhozinho aqui)

ps.: e o design gráfico do disco?! É o fraco!!!

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Entre queijandos e ardências

Em dois posts recentes que escrevi (um e o outro ainda se encontra nesta mesma página), usei a palavra "mertiolate" como substantivo-metáfora para hiperbolizar minhas agonias. Pois foi. Mas ontem, ao conversar com uma amiga e leitora ao telefone, ela me alertou:



- Você sabia que mertiolate não arde mais?!
- Claro que não!
- Isso era coisa de nossa infância.
- Sou mesmo um ultrapassado. E sempre desconfiei que minhas dores não valem nada!

Ps.: e por falar em ultrapassado, vai a dica: faixa 9 do Carnaval na obra, bolacha do mundo livre s/a de 1998 (valha-me, quase 10 anos já!). O melhor samba-punk feito no planeta - trechinho mínimo aqui -, daqueles pra acreditar na dor da existência. E de verdade.

domingo, 21 de outubro de 2007

Vida: modos de não usar - notas dominicais XXIV

"Um indício praticamente seguro de descaminho é o uso da palavra 'espiritualidade'. Também é preciso fugir dela a toda pressa, pois não quer dizer absolutamente nada. Se tivesse um sentido, essa palavra quereria dizer a vida do espírito. Na imaginação e em liberdade, fora dos limites conhecidos. Neste sentido Shakespeare e Dostoievski a praticaram no mais alto grau, assim como Einstein, Kant e muitos outros. Eles viveram pelo e para o espírito. A religião, que se esconde com frequência sob a palavra 'espiritualidade', que de alguma maneira aponderou-se dela, dando a entender, como no passado, que o espírito existe fora do corpo, é, ao contrário, a negação de toda vida independente do espírito, que ela encerra o mais cedo possível atrás das barras de um dogma.
Fujamos dos dogmas, logicamente. Desistamos de encontrar um sentido para nossa vida: ela não tem. Nós nos acostumamos facilmente e não ficamos mal, ao contrário. Podemos substituir a busca do sentido, que é vã, por um esforço pela vida mesma. Substituir o 'por que viver' pelo 'como viver'. E neste caso, sim, há muito a ser dito, muito a ser feito...

(Jean-Claude Carrière em Fragilidade)

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Veredas do meu inferno

O suor escorre por minhas feridas como mertiolate, denunciando em seus caminhos ardentes a minha angústia. As chagas queimam, mas o corpo é pouquíssimo e a transpiração parece saber disso. Sua revelação - líquido-filho-da-puta! - é mero sarcasmo com meu coração que, ainda mais lacerado, por sorte está dentro de mim e fora do seu alcance...

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Ligando pro rebocador

Existem corações que carregam dor por toda vida. Por toda não, as vezes alguns deles a abandonam de forma radical. Isto é o que faz tal víscera nos suicidas. Entendo estes últimos. A existência não é pra qualquer um. Para que ela seja minimamente digna, é preciso uma conjunção especialíssima de fatores que estão entre a fisiologia e o destino. Um coração deveras atormentado tem todo direito ao desespero. E sem essa de acusar de fraqueza, pois no fundo este substantivo, juntamente com nossos limites, é uma de nossas poucas grandezas. Cada um sabe a dor de ser o que é. E a delícia? seria o caso do leitor perguntar reclamando o bordão. Talvez não, tendo em vista também que para alguns a angústia é um sentimento inexistente (por mediocridade ou pela loteria de uma estrutura neurológica favorecida, sabe-se lá). Creio que uma vida humana, demasiadamente humana, é aquela que perambula entre os extremos do verso a que fiz menção. Tem momentos, no entanto, que acreditamos (ou temos que acreditar), polianamente, que a beleza da vida está no mamão que comemos nas primeiras horas do dia. Mas, vamos combinar, aí tá foda...

domingo, 14 de outubro de 2007

Amor de muito - notas dominicais XXIII


"a alta tradição mística muçulmana, a dos poetas persas (Hafez, Rûmi, Saadi), colocou o amor acima do mundo. Um amor que não é restritivo, como no Ocidente (onde os apaixonados se dizem sozinhos no mundo), mas, ao contrário, ilimitado. Pois amar alguém é se tornar amor, é amar a todos os outros, até os animais, as árvores, os planetas. É se ver na impossibilidade de não amar."

(Mais um trecho de Fragilidade de Jean-Claude Carrière)

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Verdade ou consequência

(pequeno exercício de prosa e ocasião inspirado num dos tantos diálogos com Minde, a quem poderia dedicá-lo, mas ela merece coisa muito melhor...)

Feriado prolongado de 12 de outubro. Tínhamos ido para o sítio de um amigo que ficava no agreste pernambucano - na verdade, no município de Gravatá. Éramos ao todo sete (e não é conta de mentiroso). Sentíamo-nos, sem a mínima modéstia, como príncipes da capital diante da comunidade local e um orgulho tolo e juvenil enganava nossas mentes.
Na primeira noite, sob o olhar distante de alguns caseiros, brincávamos de “jogo da verdade” regados a garrafas de aguardente. Um dos vasilhames, apressadamente vazio, servia como ponteiro. Ríamos bastante, falávamos alto e nos julgávamos felizes (de verdade).
Na manhã seguinte, eu sequer conseguia lembrar das verdades que tinha inventado. Senti-me nu, completamente despido. As verdades não estavam mais em mim - na verdade, acho que elas nunca estiveram. Apenas cheguei a recordar de um aceno sabiamente indiferente que ganhei, em meio a nossa balbúrdia, de um dos caseiros do sítio. Naquele instante, tal lembrança era tudo o que eu possuía. E, sinceramente, nada mais merecia...

Desdaquele sinal, juro, comecei a ter mais préstimo. De verdade.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Cana, revolta e larica de vida

"Mas também esses pernambucanos são revoltados com tudo!" Eis a frase que ecoou em minhas oiças na saída de mais uma premiere do festival de cinema do Rio. Em primeiro lugar, caberia a pergunta: que pernambucanos? Sabemos que esses rótulos identitários comumente escondem a complexidade que existe nos grupos a que se referem, quaisquer que sejam eles (religiosos, nacionais, estaduais etc.). Ainda no campo da cultura, posso usar como resposta, por exemplo, a constatação de que o teatro/televisão que João Falcão faz nada tem a ver com a música do mundo livre s/a.
No entanto, admitamos as vestes. Por que seriam os pernambucanos tão revoltados? Precisamente, não sei. Muito coentro na infância, talvez diria Cláudio Assis. Tenho comigo algumas razões um tanto intelectuais, confeso, e um pouco mirabolantes. Razões que remetem as possíveis raízes de tal revolta (mesmo acreditando que só conhecemos raiz se for a da mandioca, como certa vez falou o ministro Gilberto Gil). Sobre o fato de serem mirabolantes... podem ser, ma non troppo. Vejamos.
Minhas razões são um tanto marxistas, ou melhor, materialistas. Até que um outro ciclo econômico tome conta do Estado (que Suape traga a bonança além dos tubarões de BV), os pernambucanos serão sempre seres açucarados - metáfora não no sentido figurado relativo a meiguice ou delicadeza (muito pelo contrário!), mas referente ao "ouro branco" mesmo. Desde a perda do domínio comercial açucareiro, que sustentou a nação durante um bom período, Pernambuco se tornou um entrave político para o país. O declínio da oligarquia canavieira e a consequente falta de reconhecimento nacional geraram uma espécie de revolta da elite que, além de dinheiro e território, perdeu seu bem mais precioso, o pestígio. E tome choro então. Choro e revolta. No ambiente da cultura, a intelectualidade local, herdeiros representantes desta elite, montaram seus discursos neste mesmo trilho da perda, do ressentimento (a afirmação regionalista nordestina na primeira metade do século XX - e sua peleja com o modernismo paulista - pode ser sintomática neste sentido).
Mas seriam estes os pernambucanos revoltados da frase colhida na saída da premiere? Creio que não. Aqueles são de outra cepa. São rebentos do ápice da estagnação econômica que levou o Recife ao caos social dos anos 1990, com índices alarmantes de miséria - em 91 chegou a ser considerada a quarta pior cidade do mundo para se viver, segundo uma pesquisa do Population Crisis Committee, órgão credenciado pela ONU. São urbanos, cosmopolitas pobres (salve Silviano Santiago!) e brabos. Uma brabeza que não é o choro de perdedor de outrora (até porque já nasceram perdidos), e sim indignação e inconformismo. Nada dos achaques egolombráticos de boa parte da classe artística dos grandes centros. Nada de pantim. Percebem o mundo para além dos próprios umbigos, traduzindo-o em sua crueza e aberrações. Sabem da enganação da ordem neoliberal. Realizam as coisas com o tutano de quem conhece o lado B da existência. Senhores de novos engenhos*, botam pra moer a cana da inquietação, com sustância e muita, mas muita larica de vida...

*Metáfora de Francisco Reginaldo Sá Menezes (O Carapuceiro)

ps.: Este texto foi escrito após uma sessão de Deserto Feliz, o novo filme de Paulo Caldas. Assistam!(pelos motivos acima)

domingo, 7 de outubro de 2007

Única sobrevivente - notas dominicais XXII

"Charles Swann acorda uma manhã e constata de repente, enquanto se penteia, que não ama mais Odete, aquela mulher por quem ele 'quis morrer'. Ela, que foi para ele o maior de seus amores, na realidade não lhe agrada mais, 'não faz mais o seu gênero'. O mais forte dos sentimentos, o mais decisivo que ele experimentou na vida, acabara de deixá-lo sem prevenir, como um convidado descortês. E no entanto ele continua sendo o mesmo, ele é o Charles Swann. Ao menos acredita nisso.

Tudo o que acreditamos construir de sólido, fora de nós ou em nós, desaba um dia, ou enferruja, ou se corrói. É assim. Só a mudança permanece."
(trecho de Fragilidade de Jean-Claude Carrière)

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Férias da existência

"Tem dia que de noite é assim". Dou um loop na frase do marinheiro, pluralizo e sampleio à minha angústia e precisão: tem dias que as noites não têm fim.
Como o mote já denuncia, a maré não é das melhores (ou continua na vazante - pra quem acompanha este torto varal de parágrafos). Mas não escreverei sobre meus desvãos, não consigo ser óbvio o bastante para transformar a dor em narrativa, poema ou canção. Traduzo-a em meu próprio consumo e no prazer mais idiota de arrancar a pele como se eu quisesse sair de mim (e que outra coisa almejaria?).
Não, essa prosa-melancolia não sairá daqui. Como já falei, não tenho obviedade suficiente para isso. O que tenho é o inalcançável desejo de tirar férias da existência...

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Equação




A criação é uma grandeza inversamente proporcional a adaptação ao mundo.

domingo, 30 de setembro de 2007

Decantação - notas dominicais XXI


“Quanto mais perfeito o artista, mais separado, nele, estará o homem que sofre da mente que cria.”
(T. S. Eliot em Tradição e talento individual)








Há controvérsias, Mr. Eliot...

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

69 posts!



Para comemorar a marca, uma crônica escrita por Maitê Proença que foi publicada na revista Época tempos atrás. Boa leitura!
ps.: sobre o texto, este editor também vê semelhança entre o 69 e a culpa cristã do "é dando que se recebe", porém acha que o verbo "ornar" orna com tudo!

"69"

Algumas atividades parecem que nasceram umas para as outras.
Tomar banho e cantar dá uma alegria enorme na gente, comer pizza e falar da vida alheia é quase um ato contínuo, beber cerveja e fumar combina que é uma loucura, assim como jogar futebol e xingar a mãe, sentar no trono e ler, dirigir e ouvir música - todas delícias de uma vida boa!

Por outro lado há coisas que não simplesmente não ornam. A palavra ornar, por si já não orna com nada. Chupar cana e assoviar todo mundo sabe que é desaconselhável, dirigir e falar ao celular a lei não permite, conversar e pular corda é complicado, e assim a coisa vai numa longa lista de práticas incompatíveis. Pois eu queria manifestar meu desapreço por uma posição de funções adversas que, no entanto, é bastante apreciada na atividade sexual - o 69. Você há de concordar que a postura é ingrata, a vista não é das melhores, e que se não houver cautela pode-se sair dali com um pinçamento na cervical. Além do mais, por que a pressa, por que tudo ao mesmo tempo? Parece coisa de culpa católica - é dando que se recebe, dê ao próximo o que deseja para si. Pessoalmente, considero aquela atividade frenética em ambas as pontas totalmente desnecessária, e porque não dizer, ineficiente. Não é possível a criatura executar com primor uma função que requer coordenação, dedicação e técnica, enquanto está tentando relaxar para usufruir o que lhe acomete na outra extremidade. Sim, porque uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa! E não venha me dizer que tudo corre naturalmente e que é só meter a cara (perdão palavra no sentido figurado) que sai direito.
Não sai!!Pra começar, o negócio exige um estudo rigoroso da anatomia do outro. É imperativo que se saiba o que está onde para se entender o que fazer por ali, e é claro que isso vale para parceiros de todos os sexos, independente da ponta (mesmo que convexa) em que se esteja. Há quem pratique a vida inteira e, não tendo se dado ao trabalho de observar os detalhes da questão uma única vez, passa a vida fazendo o serviço mal feito. Outro fator que não ajuda é a inelutável proximidade com o assunto, que pode, num excesso de entusiasmo, causar a asfixia fatal do parceiro. Menos grave, mas não menos constrangedor, é o caso do sujeito com a vista cansada que, nessa situação, tem que contar exclusivamente com a sensibilidade "linguo-labial" - não quero descriminar ninguém, mas todos sabemos como há no mundo, inclusive sem problemas de vista, criaturas desprovidas deste requisito. E há ainda o caso dos obesos que por excesso de volume no percurso simplesmente não conseguem atingir as marcas. Por último, quero lembrar que a reciprocidade, grande objetivo da postura, é raramente atingida, posto que tem sempre um sujeito ali largadão, enquanto a outra está dando tudo de si. E vice-versa. E vice- versa, também, eu suponho.

O Kama Sutra propõe nada menos que 529 posições pra se experimentar na hora do amor e eu não estou aqui pra desestimular a criatividade de ninguém. Mas não sei se por preguiça, ou por ter amado homens de muita aptidão, ainda considero o trivial bem feitinho algo de insuperável.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Referências bibliográficas

A farra já se distancia uns dois dias, pero (el portunhol selvagem se deve a ela) minhas mãos ainda tremem ao tentar equilibrar café e cigarro. Definitivamente, não sou mais um profissional. Tento me recompor através da ôia, do batente que me põe a comida na barriga, pero, una vez más, estoy como un náufrago. Entremear patuscada e obrigação é como um sonho interrompido por guilhotina, para a qual você é empurrado com o gosto de angu de sangue ainda na boca...

_________________________________________________________

Este final de semana rolou no Rio o evento literário "Popular" organizado pelo gaúcho Paulo Scott (outras edições já tinham ocorrido em POA e Sampa). Na ocasião, tive o prazer de conhecer Joca Reiners Terron, de quem já conhecia suas duas pérolas: a musa - nossa princesa do Cariri! - e a literatura, e Marcelino Freire, cujo Contos negreiros é o desejo de quem quer fazer da arte da escrita uma coisa popular nesse país. Dois salves e muitíssimo prazer! E ainda sobrou dois dedos de prosa com João Paulo Cuenca, autor que já conhecia de Corpo presente, pelo livro e por uma mesa que mediei certa vez na Puc-Rio. É de Cuenca a crônica que compilo abaixo, publicada n'O Globo de hoje e que diz respeito ao filme tratado no penúltimo post deste blog. Classe A, confiram!

Tropa de elite: Osso duro de roer

Se precisasse definir o Brasil numa frase, diria que é o país do perdão. O país da anistia ampla, geral e irrestrita. Anistia que, em lei aprovada pelo governo Figueiredo, não somente livrou a cara dos perseguidos pela ditadura entre 1964 e 1979, mas que também abriu as asas da liberdade aos perseguidores e criminosos “oficiais”. Neste país de consciência livre, estupradores, torturadores e assassinos hoje jogam peteca na praia de Copacabana e curtem sua tranqüila aposentadoria. Depois de encher os bolsos, mandar bater e lotear estatais por duas décadas com sobrinhos com dificuldade de aprendizado, os milicos têm a vida que pediram a Opus Dei.

O Brasil, e isso costuma chocar mais nossos companheiros latino-americanos do que a nós mesmos, é o país mais atrasado do continente quando se fala em punir os responsáveis pelos abusos cometidos pelo regime militar. Para o bem da “paz e harmonia nacionais”, o governo e a sociedade preguiçosa abaixam as orelhas e deixam pra lá. No país da anistia, tudo é perdoado com esquecimento. O que aconteceu deixa de ter acontecido, como se a roda da história se alimentasse de si mesma, num processo autofágico e irreversível.

O custo dessa amnésia tão simpática e conveniente é alto. Esse déficit moral faz com que o brasileiro aceite a idéia de tortura e violência policial como quem come um pastel de carne moída.

***

Escrevo esses parágrafos, como vocês devem imaginar, movido pela experiência de assistir à pré-estréia de “Tropa de elite”, na última quinta-feira, no Odeon. Além da equipe do filme e usuais papagaios de pirata, a sessão contou com a presença, in loco, de Harvey Weinstein, criador da Miramax, vencedor de 45 oscars, produtor de blockbusters como “Pulp Fiction” e “Senhor dos Anéis” e, claro, co-produtor de “Tropa de elite”. Weinstein, segundo perfil publicado pela New Yorker, é conhecido como “Harvey mãos de tesoura” pelo seu hábito de interferir na montagem dos filmes que produz. Imagino que não tenha sido o caso.

Poderia entrar no mérito exclusivo do filme e dizer que é impecável no que se propõe e que, apesar (e por causa) da pirataria, será um sucesso de bilheteria estrondoso. Ainda poderia escrever que “Tropa de elite” na maior parte do tempo parece um institucional nauseante do BOPE – no final, só faltou o “Aliste-se já!”. Apesar disso, levanta algumas lebres, dá um par de tiros certeiros e deixa pelo menos uma cena na memória – aquela do policial Matias invadindo uma passeata pela paz na PUC.

Ao mesmo tempo, o filme é de um reacionarismo que talvez não tenha paralelos na história do cinema nacional. O texto é claro como pó de mármore: o tráfico de drogas é um câncer, a elite branca é hipócrita, a PM é corrupta, e o BOPE é incorruptível. Só o BOPE, através de seus imaculados princípios, nos salvará das trevas. E para isso, tem certas licenças nada poéticas – a tortura é a principal delas. Eles, que são puros, fazem o serviço sujo que nós, hipócritas de classe média, não encaramos. A lógica do discurso policial que “Tropa de elite” reproduz é cristalina.

O problema começa quando esse monstro disforme chamado opinião pública faz uma leitura do filme que corrobora esses métodos e valores. E aí, “Tropa de elite” pode perigosamente entrar para a história como o filme da geração “Cansei”. O público torce pelo herói torturador e mata com ele, tortura com ele, em repetidas cenas à la Abu Ghraib – ou “Guantanamo no Rio de Janeiro”, como disse meu amigo Daniel Alarcón. As celebridades enfiadas em black-tie aplaudem cada porrada, num frisson de adrenalina, e todos se convertem instantaneamente em perfumados torturadores de gabinete.

Depois, é claro, sabe-se que vem o perdão, nossa querida e mui conhecida anistia, para o torturador assassino justiceiro e para nós, apêndices conexos dessa violência, como diz a lei número 6.683. Porque, para o bem da “paz e harmonia nacionais”, os fins justificarão os meios até o (nosso) fim. Enquanto isso, o pastel de carne moída segue descendo bem pela goela de todos. O uísquinho servido em coquetéis de estréia como a de “Tropa de elite” pode ajudar.

domingo, 23 de setembro de 2007

Serenos pelo artifício (ou assim caminha a humanidade) - notas dominicais XX

"Há alguns anos, visitando um laboratório em Basiléia, o homem que me conduzia mostrou um grande recipiente no qual estavam empilhados os comprimidos de um calmante mundialmente célebre e me disse com verdadeiro orgulho: 'Há o suficiente para garantir a saúde mental da Grã-Bretanha durante dois meses'. É o ponto em que estamos, mantidos serenos pelo artifício. Uma montanha de calmantes se encarrega do nosso sorriso."
(Jean-Claude Carrière, ele, o roteirista de Buñuel e outros bambas, em Fragilidade, livro publicado recentemente aqui na Terra de Santa Cruz)

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Troço de Elite

Tem início esta semana no reino da Guanabara o festival de cinema. E a vedete do evento, por motivos óbvios, é "Tropa de Elite". Como todos sabem, o filme foi parar nos camelôs antes de ser lançado e isto gerou milhões de discussões sobre o tema da pirataria. Não irei aqui repetir as polêmicas - e já tô achando demais ceder este espaço ao danado, dando-lhe mais uma contribuição publicitária (sim, porque as polêmicas serviram para isso!), mesmo que este minifúndio de pixels só tenha, se tanto, 17 leitores...
Porém, depois de escutar num debate que o que ocorreu com o filme foi um "estupro a obra", uma questão elementar me surgiu em meio ao terremoto de moralidades: o que deseja o diretor com a sua realização? Bom, se eu fosse um cineasta e a pergunta fosse dirigida a mim, responderia que diante do apartheid cultural vigente no Brasil, minha vontade seria a de que ela fosse vista (assim como desejo que meus textos sejam lidos, gracias meus 17 escudeiros!). E é o que vem acontecendo com o filme, pois ele está sendo assistido por milhares de espectadores. Mas eis que surge o argumento de que o diretor está perdendo rios de dinheiro com as cópias ilegais. Será? Alguém aqui acredita que o público que teve acesso a elas é o mesmo que frequenta as salas de cinema do país? Sinceramente, não creio. Parece-me fato que aqueles que tiveram o canal clandestino da obra são de origem mais pobre e que não têm, pela própria falta do "faz-me-rir", o costume de encher as bilheterias das casas do ramo.
Acho, sinceramente, que o diretor deveria se satisfazer com o fato de seu filme ter caído nas graças do grande público (grande público de verdade, não "grande público" de cinema!). Deveria sim se contentar em ter despertado o interesse de uma parcela significativa da população. A menos que não considere essa parcela como gente, o que é comum nesta plaga, onde produções cinematográficas e tantas outras coisas são restritas a tão poucos.

ps.: Mas, se numa suposta resposta a minha questão o diretor dissesse que seu interesse é ganhar dinheiro, ele deveria ao menos deixar uns royalties no universo em que filmou. Aqui é assim: filmar pobre pode, mas pobre ver filme não!

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Exílio do exílio

Todos sentimos o fardo da existência. Por essa razão, vivemos sempre em busca de certa transcendência da realidade (não confundam com alienação!), o que é uma forma saudável de fuga das dores do mundo. A condição artificial do exílio é ideal para isso e pode servir como um empurrão para ultrapassar a imanência do cotidiano - ao colocarmos de lado o lugar de origem, nos descolamos do fardo do passado e, consequentemente, do fardo da história da existência. O único problema, porém, é quando suspeito - por provincianismo, ilusão, ego ou vício - que lá os dias se alternam felizes sem passarem por mim. O exílio vira, então, exílio do exílio...

domingo, 16 de setembro de 2007

Astrolábio em parafuso - notas dominicais XIX

"O amante é obcecado por ela: seu rosto doce, seus olhos, seus atos, seus gestos, suas mãos, seus pés, suas palavras, sua altura, sua largura, sua profundidade e todas as suas outras dimensões são, desse modo, revistas, medidas e registradas pelo astrolábio de suas fantasias".
(Robert Burton - 1577-1640 - em A Anatomia da Melancolia)

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Sobre História

O título deste post é o mesmo do livro da reprodução ao lado, trabalho do historiador Eric Hobsbawn, cuja leitura terminei esta semana. Para os que não são do ramo, desaconselho. Melhor conhecer o velho marxista inglês por outras frentes como, por exemplo, através do grandioso (em todos os sentidos) Era dos extremos - O breve século XX, obra para todos, tranquilíssima de ler (mesmo sendo volumosa, são 632 págs!).
Sobre História é uma reunião de artigos de Hobsbawn que trata de questões referentes a disciplina a qual ele dedicou toda sua vida. São textos sobre teorias e metodologias da História. É um livro mais técnico, pra iniciados e/ou acostumados com discussões teóricas da área. Quem tiver coragem, abrace-o, mas vem daí, do seu peso, o meu desencorajamento do início desse texto.
Ainda assim, tentemos, ora pois, roubar-lhe algo para este estranho blog. Allez...
Em vários artigos do livro, um tema parece se fazer sempre presente - peço perdão e auxílio aos amigos historiadores para comentá-lo e se eu estiver muito enganado, por favor, me corrijam. Um tema que diz respeito a ascensão de disciplinas e correntes historiográficas como a Antropologia, a Microhistória, a História das Mentalidades etc., em detrimento da Macrohistória com suas análises mais grandiosas, com abordagens mais sócio-econômicas e mais referentes aos modos de produção. Hobsbawn, como marxista, aproxima-se mais do segundo time, no entanto, não desmerece nem ignora a importância do primeiro. O historiador chama atenção apenas para que este não perca de vista que, por mais heterogêneos que somos (várias culturas etc. etc.), vivemos um mesmo mundo, fato que sempre se revela em percalços como uma crise imobiliária nos EUA que pode afetar a vida de milhões de miseráveis no planeta ou como a ameaça eminente do fim do petróleo (é incrível como interesse Ocidental sobre o ouro negro globaliza de automóveis a homens-bombas!). E isso tudo não é aleatório. Uma velha senhora parece sempre nos assistir para, com o passar dos anos (décadas ou séculos), nos apresentar-se como História.
ps.: Acho que nós, minha geração e adjacentes, fizemos o mesmo percurso epistemológico da disciplina em questão. Nos ocupamos cada vez mais das micronarrativas e dos pequenos universos (pequenos burgueses?) e desprezamos, também cada vez mais, a estrutura da ordem planetária. E o que nos resta a fazer é acreditar que alguma iniciativa com selo Carbon Free irá nos salvar das chamas do inferno...

domingo, 9 de setembro de 2007

Gastando o bigode de Nietzsche - notas dominicais XVIII


"mas se for amor que fique até gastar o bigode de Nietzsche, vixe, infindável vassoura de faxinas cujas árvores ainda choram o cabo das possíveis assepsias moralistas..."

Frase colhida de "Pálpebras molhadas", croniqueta publicada esta última semana n'O Carapuceiro, a melhor casa do ramo neste imenso território de língua portuguesa. Para ler na íntegra, clique aqui.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Inglês é Fisk!

Leio os artigos de Robert Fisk já a um certo tempo - uma pena que eles são publicados apenas ocasionalmente no Brasil. Correspondente do jornal britânico The Independent em Beirute, cidade que mantém residência há 31 anos(!), Fisk talvez seja hoje o jornalista de guerra mais importante do mundo. Pra se ter uma idéia, já entrevistou Osama três vezes, tendo, inclusive, ganhado do líder da Al Qaeda o seguinte comentário: "Considero Robert Fisk um homem neutro. Estarão os tais libertadores da Casa Branca e os canais que eles controlam em condições de dar uma entrevista a ele? Assim ele poderia mostrar para os EUA o que ele entende das razões pelas quais nós lutamos contra vocês."
E num é que Robert Fisk agora virou pop nas terras de Pindorama?! Com as publicações dos seus dois últimos livros (Pobre nação e Grande guerra pela civilização, A conquista do Oriente Médio, este último um calhamaço com quase 1.500 páginas!), o nome do correspondente passou a ser facilmente encontrado nos cadernos dos jornais brasileiros e nas bancadas das nossas livrarias.
Até aí, nada de se estranhar. O que me surpreendeu mesmo foi encontrar uma entrevista com ele na revista Trip deste mês. Bom, nada mal e que assim seja, mas não deixa de ser meio inesperado se deparar com páginas dedicadas ao considerado por muitos "inimigo do Ocidente" pela editora responsável pela Revista Daslu.
Li a entrevista e digo que ela vale por algumas entrelinhas de Fisk. Não é grande coisa, talvez por responsabilidade do entrevistador que achei devagar (um cabra novo de 28 anos). Mas tem pérolas, como o comentário de uma ex-namorada do correspondente revelado por ele mesmo:
"quanto mais guerras você cobre, mais aprende a sobreviver. Quanto mais você vai para guerras, mais chance tem de morrer".
Estranha equação que me levou a seguinte conclusão: minha vida é uma verdadeira Bagdá!

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Bacia de merthiolate



"Eu só falo das coisas e, de certa forma, estou falando de mim por elas..."
Esse sample cabralino ecoou por aqui num post recente. E, de fato, o preceito do poeta é levado em muitíssima consideração por este arremedo de editor. Sempre relutei em transformar este blog num "querido diário". Quem quiser conhecer meu estranho mundo, basta dar uma volta nos links indicados, nos textos fixos ao lado e/ou prestar atenção nos temas dos próprios posts anteriormente publicados. No hay secreto.
Pero, confidencio, o momento me obriga, careço cambiar. Então... foda-se João Cabral! Revelarei-me agora de forma direta, sem o temor do pieguismo e fidelíssimo ao meu próprio umbigo! Superlativarei tudo e em primeiríssima pessoa! Farei deste post as margens escondidas deste blog. Com o lirismo arrancado de minha víscera canhota, escreverei uma prosa que vomite coragem, abismo e sangue:
Meu querido blog,
Por que meu coração de sol escalda suas feridas numa bacia de merthiolate?

Pronto.

domingo, 2 de setembro de 2007

Sorte fantástica - notas dominicais XVII



“Tive uma vida maravilhosa. Tive sorte, uma sorte fantástica. Nunca passei um dia sem comer e também nunca fui rico. Assim, tudo deu certo.”
(entrevista de Marcel Duchamp para Arts et Loisirs em 1966)

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Quando a maré vazar...

Na vida, com o passar dos anos, constatamos a veracidade de um velho clichê: a existência é feito maré, tem hora que enche e tem hora que vaza. Há quem prefira a metáfora "mortes e ressurreições", não importa a escolha - como naquela publicidade da velha casa de tecido, quem manda é o freguês -, o sentido será sempre o mesmo.
Mesmo completamente ciente da sentença do clichê, alguém poderia explicar por que tanto dói uma morte na vazante da maré?
Respostas serão bem recebidas pelo distinto editor que, sem dinheiro para análise, pede socorro a caixa de comentários deste blog.
Ps.:Deveria mesmo é tomar vergonha na cara e tentar aprender com o velho Dorival:
"Quando a maré vazar
Vou ver Juliana
Vou ver Juliana
Vou ver Juliana..."

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Tecendo a (minha) manhã

Criado pela efervescência cultural do Recife da década de 90, tomando lições do groove afrofuturista da Nação Zumbi e de máximas como "é povo na arte, é arte no povo, e não povo na arte de quem faz arte como o povo", confidencio que, mesmo tendo tomado um percurso acadêmico, sempre tive uma certa resistência aos nossos "grandes heróis" culturais. E uma rápida genealogia da maioria destes personagens, legitima meu sentimento. No entanto, Gilberto Freyre e João Cabral são escritores desta cepa que, por caminhos literários diferentes, provam que o mundo é muito mais complicado do que a nossa arrogância pressupõe. Graças a Deus, seria o caso de dizer, pois facinho nesta vida só pescar agulha com faxo em Itamaracá (e ainda é assim, é?).
Não me deterei aqui no Conde de Apipucos, só um pouquinho no poeta João. Sobre este último posso dizer que minha admiração por ele já vem de certo tempo, por um viés meio atravessado, mezzo situacionista, mezzo punk, costura possível que faço através da sua luta contra o lirismo, contra o derramamento sentimental (coisa que o mercado e a publicidade adoram) - há de se considerar também nesse meu apego ao "homem sem víscera esquerda" a semelhança de sua poesia com a prosa enxuta do grande (esse de verdade verdadeira!) Graciliano.
Bom, mas o motivo desta minha ladainha é que hoje, quando ainda estava "Tecendo a manhã", fiquei sabendo que as obras completas do poeta está sendo relançada. E meu pombo-correio foi Arnaldo Jabor(!), de quem trago abaixo a crônica publicada nos jornais de grande circulação do país. Os leitores devem estranhar a presença do ex-cineasta neste blog (assim espero!), mas o texto é bacana (olhem o trecho: "essa renúncia ao sonho individual da 'iluminação de um individuo inspirado', o desejo de ser apenas uma coisa-do-mundo") e deixa um monte de janelas para pensamentos e discussões. Leiam e digam...
_____________________________________________

João Cabral nos mostra o Brasil em negativo
Arnaldo Jabor

A Editora Objetiva está lançando agora a obra completa de João Cabral de Melo Neto, pela coleção Alfaguara e, assim, revitaliza um dos maiores poetas do mundo, que muito brasileiro desconhece. Isto lembrou-me uma das frases mais profundas que conheço sobre a serventia do artista, que é de Paul Cézanne: "Eu sou a consciência da paisagem que se pensa em mim".

Essa ligação com a natureza perdida, esse apagamento da distancia entre sujeito e objeto, essa renúncia ao sonho individual da "iluminação de um individuo inspirado", o desejo de ser apenas uma coisa-do-mundo, tudo isso me lembra João Cabral de Melo Neto, de quem se pode dizer: ele foi "a consciência da linguagem se falando nele".

Ele sabia disso: "Eu só falo das coisas e, de certa forma, estou falando de mim por elas..."

Em geral, os críticos o definem como o poeta brasileiro que nos ensinou a "não perfumar a flor, nem poetizar o poema", a propósito de seu estilo seco, como se ele fôsse apenas um faxineiro dos parnasianos e dos palavrosos. Mas, João foi muito mais que isso.

Se, por exemplo, examinarmos o seu extraordinário poema "Uma Faca só Lâmina" (um dos maiores da língua portuguesa) veremos que ele é um dos raros artistas que tentaram passar "alem da arte" e entrar numa terra-de-ninguem que poucos visitaram, uma "waste land", um latifundio pré-linguagem, querendo o impossível: atingir o "real", essa "terra não descoberta", avistada por alguns como John Donne, mais tarde, por Francis Ponge, Marianne Moore, gente que não estava apenas fazendo poesia, mas epistemologia. Para mim, João Cabral fez uma teoria da percepção.

Antes de morrer, ele disse a alguém: "Escrevo não para me expressar, mas para preencher um vazio". Quem tem coragem de entrar nesse vazio, na "falta", na falha eterna que nos cega? João teve a obsessão de atingir algo além do tempo e do espaço, uma espécie de "sonho kantiano", a vontade de ir alem do "fenômeno". "As vezes, nos dá a sensação de ter conseguido.

João passou a vida com uma dor de cabeça torturante não era para menos. Que cabeça aguenta esse esforço permanente de ter dois microscópios no lugar dos olhos, de flagrar o decorrer do tempo no alpendre, no canavial, o tempo corroendo as coisas como um vento invisível? (Van Gogh pintou o tempo se passando no espaço e se matou).

Como Proust, João Cabral também fez a geometria dos sentimentos, descrevendo a planta baixa das emoções, esquadrinhando-as como objetos concretos, de todos os lados, sem aspiração á transcendências "inspiradas", sempre comparando matéria com matéria, mostrando que a mulher é igual a fruta, que a praia é o lençol na cama, que a bailarina espanhola é a égua e a cavaleira, que o rio tem dentes podres, que o cão não tem plumas, que a alma do miserável cassaco de engenho é feita de pano sujo de aniagem. João Cabral nem parece um artista; parece cientista, matemático, o que fortalece seu sopro lírico, domado, mas circulando como sangue dentro da pedra.

João virilizou muito a poesia , acabou com a sensação de que arte é frescura ou coisa "de veado", como dizia meu pai, engenheiro, filho de poeta árabe. Tive um grande alivio quando ele me disse, uma vez, quando o entrevistei: "O mal que Fernando Pessoa fez a literatura é imenso. Aquela coisa derramada, caudalosa, criou uma multidão de poetastros que acreditam na inspiração metafísica".

Eu, que rosnava covardemente pelos cantos porque não gostava de Pessoa, finalmente respirei. E João Cabral continuou : "Eu saio do poema suando, com picareta. Minha obra é motivo de angustia. O sujeito tem de viver no extremo de si mesmo. Eu vejo isso na tourada. O bom toureiro é o que dá impressão ao publico de que vai morrer".

A importância de João Cabral é imensa também nesse campo do que chamam de "poesia política, engajada" e outros termos insuficientes. Pela forma, pela recusa a idéias gerais, João Cabral fez a poesia mais profunda sobre o Brasil, a mais "política" também.

A visão que sua poesia nos dá sobre a miséria do país não vem de conteúdos, de brados contra a injustiça ou de denuncias de tragédias. Assim como a importância política de Brecht se fez muito mais pela inversão dos significantes da forma teatral, muito mais em "Baal" ou na "Selva das Cidades" do que em suas peças didáticas, assim também João Cabral nos ensinou muito sobre o Brasil através de suas visões do vazio, movidas apenas por uma discretíssima compaixão. Na entrevista, Cabral critica Mario de Andrade: "Essa historia de identidade nacional é invenção dele. Esse negócio de síntese do Brasil é bobagem. Grande é Gilberto Freyre, que escreveu sobre o cotidiano da escravidão. As parcialidades é que iluminam". Ele também disse, nesta entrevista, há 15 anos: "o Brasil está numa crise de parto. As coisas são sinistramente surpreendentes. A ditadura torturou, mas não regrediu o país. Agora, com a liberdade, está parado. Dá para entender? Se puser o homem mais genial do mundo no governo, os estamentos burocráticos e os políticos reacionários não deixam o país crescer..."

João Cabral descreveu o Brasil em negativo. Ele não nos mostra a pobreza; ele mostra a riqueza que nos falta. Em sua poesia, pelo avêsso, João nos mostrou tudo o que "não temos". João mostrou-nos o que poderia ser nossa lingua (e não é). João Cabral nos mostrou o que o país está perdendo.

Jovens, leiam João Cabral e salvem-se!

domingo, 26 de agosto de 2007

Originalidade - notas dominicais XVI


"Toda vez que Alberto senta para escrever, não consegue desenvolver nenhuma idéia, acha tudo coisa passada, já escrita, sente-se como uma criança montando um quebra-cabeça montado e desmontado milhares de vezes. Alberto imagina todos os outros que já estiveram debruçados em sacadas, olhando para o céu, fumando, tomando decisões idiotas, sem perspectiva. Alberto é ingênuo o suficiente para pretender ser original e acreditar nisso. Escreve por orgulho. Além de talento, falta-lhe vergonha na cara - como tem pânico de morrer, acha que o que escreve pode sobreviver a si mesmo."

(trecho de Corpo presente, romance de João Paulo Cuenca)

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Gênero híbrido entre a literatura e o jornalismo, a crônica construiu uma trajetória bastante fértil no Brasil. Desde o pioneirismo dos nossos cânones Alencar e Machado, passando por Lima Barreto e João do Rio, até os escritores modernos, ela vem enriquecendo nossa história literária, formando (quem não lembra daquele número da coleção Para gostar de ler?!) e informando leitores em todo nosso vasto território. A variedade de temas neste percurso é imensa, mudando de acordo com os momentos históricos e com o universo e perfil dos cronistas. No entanto, pelo menos a partir de sua fase moderna, um tema foi recorrente entre os autores: a falta de assunto sobre o que escrever. Praticamente todos aqueles que fizeram da crônica um ofício, escreveram sobre isso. Ou sobre o próprio gênero, trilho que funciona como arrodeio metalinguístico para despistar a ausência de matéria narrativa.
Todo esse preâmbulo é para anunciar uma pequena maravilha que diz respeito a esta prosa. Chama-se Cronicamente inviável, texto d'O Carapuceiro, blog cujo dotô aqui é cria e criado. Boa leitura!

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Cansando o cansado

Já é datado constatar que a "popularidade" do movimento "Cansei" não decolou. Porém, ontem chegou aos meus estranhos olhos este vídeo engraçado que vale o confere:

Sujeito ultrapassado que sou, descobri a pérola no blog Cansei, tô cansadinho..., espaço satírico sobre movimento articulado pela elite paulista. Para quem gosta de esportes como chutar cachorro morto, empurrar bêbado em ladeira e afins, vale a passada.

domingo, 19 de agosto de 2007

Versão viciada dos fatos - notas dominicais XV


"Essa realidade espelhada me faz temer estar ficando louco de desesperança, como se não conseguisse enxergar além das paredes do cubículo e de um corpo suado. Não há perspectiva alguma além de um emprego barato e uma ou outra foda embebida em álcool. As portas estão fechadas ou abertas demais. Não há sentido pra essa versão viciada dos fatos."

(mais um trecho do romance Corpo presente, obra de João Paulo Cuenca)

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Psicogeografia


Os casos e as ficções fugiram deste blog que tomou um rumo um tanto político, é verdade. É que ando meio sem tempo e imaginação. Confidencio que algumas das historinhas que foram postadas aqui eram de minha gaveta (não todas! tinha uns free-styles também!). E como não queria transformar este espaço num "meu querido diário" (apesar de ter razões contra o modelo, não o fiz por incapacidade mesmo), aproveitei algumas de minhas indignações em relação a certas leituras do cenário político nacional e mandei brasa disponibilizando textos dos outros, comentários meus, entre outras mumunhas.
Bom, mas falarei de mim agora. Na verdade, de uma coisa que venho fazendo. Como estudo a possibilidade de fazer um pós-doc, ando xeretando temas que poderiam ser possíveis. Entre um brainstorm e outro, viajo em coisas malucas como imaginar algo que eu possa trabalhar com o conceito de "psicogeografia". De acordo com o seu inventor, o situacionista Guy Debord, o tal termo propõe o estudo das leis precisas e dos efeitos exatos do meio geográfico, conscientemente organizado ou não, em função de sua influência direta sobre o comportamento afetivo dos indivíduos. Para ele, o adjetivo psicogeográfico conserva uma incertidão bastante agradável e pode ser aplicado às descobertas feitas por esse tipo de investigação, aos resultados de sua influência sobre os sentimentos humanos.
Para quem não o conhece, Debord foi o fundador da Internacional Situacionista (1958-1972), movimento que nunca buscou a hegemonia como projeto político, mas antes o contrário, através da contestação do sistema capitalista e dos projetos revolucionários de seu tempo anunciando-lhes a derrota antecipada, já que sua força-motora era a outra metade da cara do projeto capitalista - era notória, por exemplo, sua crítica ao comunismo institucionalizado dos PCs - ou seja, a contestação crítica era sua marca, pois punha-se contra a sociedade burguesa bem como aos que encenavam oposição a ele. Foi ele quem escreveu o clássico "A Sociedade do Espetáculo".
Pois bem, solicito aos leitores que se algum de vocês tiverem qualquer bibliografia sobre o tema, entrem em contato!

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Um "galo" de posts!


Extra! Extra! É o Doutor Estranho completando 50 posts! Como diria a língua das ruas, um "galo" de posts! E para saudar o marco, postagem comemorativa com novo figurino e oferendas.
Primeiramente gostaria de informar aos leitores que renovei os prazos do meu currículo e dos artigos da seção Textos outros (ambos aqui do lado direito) que estavam hospedados no 4Shared - agora estão disponibilíssimos em arquivos pdf!
Ainda nesta seção do blog, disponibilizei um novo link para minha tese, defendida este ano no departamento de Letras da PUC-Rio e agora fresquinha no ciberespaço. Ela discute a questão da identidade nordestina, tomando como estudo de caso as crônicas publicadas n'O Carapuceiro, site que circulou na web entre os anos de 1998 e 2005 sob a editoração do jornalista Xico Sá (mantém o blog homônimo - clique aqui para ver). Quem não tiver saco para elocubrações acadêmicas, aconselho ir direto ao filé que está nos anexos da tese: praticamente todas as crônicas publicadas no distinto órgão! São quase 500 páginas assinadas por 68 autores - além do referido editor, escritores como Nelson Rodrigues, Miguel do Sacramento Lopes Gama, Bocage, Miss Soledad, Honoré de Balzac, Evaldo Cabral de Mello, Renato L, entre outros... e bom mesmo é o precinho, que nem aquela toada do subcomandante ZeroQuatro: R$0,00. (Faço alerta pra um inconveniente apenas, este arquivo pdf dos anexos é grande, cerca de 4.6MB).
Espero que façam bom proveito que eu vou já abrir a galega do frizi que me espera, pois este Doutor é esquisito demais pra gostar de champanhe...

domingo, 12 de agosto de 2007

Baile da comunidade - notas dominicais XIV



"Vamos pro baile. Mas tem que ser o baile raiz. Tem que ser o baile da comunidade, essa popularização inversa está manchando o movimento. A pior coisa que pode acontecer com qualquer estética é ser adotada pela classe média. Mas não é isso que a gente acaba querendo mesmo?"

(trecho do romance Corpo presente de João Paulo Cuenca)

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

2° grau


Antes que acusem este estranho doutor de lulismo, petismo ou quaisquer outros ismos, lembro aos desatentos que ele faz, e sempre fará, jus ao adjetivo de sua alcunha. Não sou do PT nem filiado a nenhum partido. Da mesma forma, não sou um idiota para ignorar a história política do país. Logo, não posso esquecer que o atual governo é (ou era?) a maior esperança de, pelo menos, alguma fagulha transformadora da histórica e lamentável estrutura social brasileira. Isso é inconteste e a gente aprende no colégio, 2° grau - no meu caso, feito em uma instituição privada, privilégio de classe (tenho a plena consciência disso), preciso ao menos honrar o dinheiro da família, pois se matérias com matemática, física e outras afins não vingaram na minha caixola, aprendi algo com as lições de história.
Se o atual governo não está a contento, creio que isto seja motivo de dor. Nenhum outro sentimento caberia. O que vejo constantemente nas ruas (mais abastadas, claro), no entanto, é um certo prazer nas críticas, quase um gozo com os desvãos da administração federal.
Aos que se deliciam com os deslizes do governo, lembro-lhes que na história recente do Brasil, como vocês devem saber, não existe nada acontecendo para que tenhamos novas esperanças de um país efetivamente mais democrático. E isso também é motivo de dor. Talvez mais.

Feito o prelúdio, trancrevo abaixo mais uma boa crônica do Veríssimo, publicada ontem, e que tem a ver com o tema. Allez!

_____________________________________________

Inauguradores

Da sua fundação até a eleição de Andrew Jackson em 1829, a república dos Estados Unidos da América foi presidida por seis aristocratas. Entre eles cinco dos autores da sua constituição, o primeiro contrato social republicano da História, que incluía o que depois seria chamado (por Gore Vidal) de “divino remendo”, a Carta dos Direitos, mas também uma desproporcional preocupação com o direito de propriedade – não fossem todos os seus signatários proprietários rurais, além de escravocratas. As credenciais dos primeiros presidentes da nova república como teóricos da democracia – em especial as de Thomas Jefferson, o mais intelectual dos fundadores – eram intocáveis. Mas foi o sétimo presidente quem pos à prova a teoria e, para todos os efeitos históricos, inaugurou a democracia americana. Andrew Jackson foi posto na Casa Branca por um movimento popular, e mais pela sua personalidade do que pela sua procedência. Fundou o que até hoje chamam por lá de “jacksonian democracy”, para a distingui-la da primeira fase, teórica, da democracia, ou enfatizar sua diferença de outros modelos republicanos – nem sempre como um elogio.

No México, Benito Juárez também foi um primeiro. No seu caso, o primeiro mexicano com cara de mexicano autêntico a chegar ao poder desde a conquista espanhola. Mais importante do que seus períodos na presidência foi a sua cara, e o que ela simbolizava. Índios, meio-índios e não índios se alternaram no poder depois de Juárez, mas o que a primeira eleição, em 1858, de alguém cuja língua original fora o zapoteca significou para a consciência mexicana se vê até hoje na mitificação da sua figura, e não apenas nos murais de Rivera e Siqueiros. Como Jackson, Juarez foi um inaugurador.

A comparação entre os dois termina aí. Juárez tentou modernizar o México, enfrentou os latifundiários e o poder da Igreja – além de invasores franceses e a influência do grande e metido vizinho do norte. Ou seja, não foi apenas uma carranca bonita. Jackson fez a sua reputação e ganhou sua popularidade como militar particularmente truculento, arrasando ingleses e índios com o mesmo gosto, e acabou um senhor rural, dono de escravos, como os aristocratas que desprezava e o desprezavam. Ele, sim, foi apenas um símbolo. Mas tanto o México quanto os Estados Unidos se beneficiaram do ineditismo que os dois representaram em suas histórias.

É difícil dizer se o Lula está fundando alguma coisa. Se depois dele virá algo melhor, pior, a mesma história de sempre – ou o dilúvio. O tamanho dessa reação ao inédito que ele representa na nossa política também é difícil de interpretar. É reflexo condicionado do conservadorismo ameaçado, é uma repulsa justificada e terapêutica – ou é apenas o Brasil, como sempre, deixando para fazer depois (como no caso da absolvição da escravatura) o que outros países fizeram há tempo? Sei lá.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Algo estranho no nosso "Reino da Dinamarca"

Escrevo do Sudeste do Brasil, região onde o flerte com o primeiro mundo é maior, apesar da localização geográfica mais distante e do crescimento da cultura web com seu esforço para colocar todos numa utópica igualdade informacional. É aqui onde circula o dinheiro no país, onde há mais trabalhos, onde fica a maior parte de nossas indústrias, inclusive a cultural. Lugar da (pós-)modernidade, onde tudo é hype, descolado e, com sorte, vip. Centro do interesse do Brasil, onde até consultora de etiqueta da região dá dicas para todo o resto do país, através da sua maior rede de televisão, de como se comportar nas mesas (e ela sabe comer sururu? chupar ostra, sabe?! e traçar um tacacá?).
Pois bem, é desse centro que vejo se manifestarem movimentos de mobilização para tirar o primeiro presidente de origem popular do país. Movimentos cheios de bravatas morais e que, se fizermos uma pequisa genealógica aguçada, são liderados por aqueles que instituíram a maior vergonha moral da nação que são as suas desigualdades regionais. E o pior, vejo esses movimentos serem divulgados por pessoas ligadas ao mundo artístico-cultural que, teoricamente, deveria ser o mais sensível as injustiças cometidas pelo espírito humano.
Não quero aqui retomar a peleja modernista Norte x Sul (já sugerida no resultado das últimas eleições presidenciais), mas tem algo estranho acontecendo no nosso "reino da Dinamarca"...

domingo, 5 de agosto de 2007

Cemitério de idéias - notas dominicais XIII


"O calor evapora as poças do Baixo Gávea, pra você ver a falta de opção, e copos entornam enquanto mulheres mal depiladas a quarenta e cinco graus olham pra nossa mesa. Eu não aguento mais essa encheção de saco, sabe Alberto? Esse cemitério de idéias, o som vazio de todas essas bocas abrindo e fechando, bebendo e comendo pizzas tão requentadas quanto os seus pensamentos. Você pode sentir o nada sobre a nossa cabeça, é só um enorme murmúrio sem sentido nem direção. Não há o que tirar daqui, não há matéria-prima pra nada, a fonte secou. Toda essa sofisticação babaca e deslumbrada e eu só enxergo aves de rapina comendo merda num deserto estéril."

(mais um trecho do romance Corpo presente de João Paulo Cuenca)

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Sexta-trégua para o Dr. E.

Depois de uma semana de crises políticas, profissionais, conjugais e esportivas (esta daqui salva pela batalha da Baía dos Porcos), Dr. E. pede uma trégua. Em meio aos seus afazeres, autorizou-se um recreio no youtube e encontrou esta pérola ao acaso. Trilha pra sexta-feira. Mas não vão se perder poraí, andem certo na contramão.

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Ainda sobre o "cansaço"

Segue o link pra uma crônica sobre o tema do post anterior. Mais uma vez, boa leitura!
O porquê do “cansaço” da elite branca

terça-feira, 31 de julho de 2007

"Cansei" do quê?

Mais uma vez atropelado pelos afazeres, este doutor anda sem tempo e inspiração para escrever. Enquanto não encontro folga e assunto para tal, publico um texto raro que saiu hoje num jornal de grande circulação nacional. Boa leitura!

Cansei de "basta!"
por Janio de Freitas

O que mais deseja a riqueza do país, além das condições inigualáveis que o governo Lula lhe proporcionou?

O odor exalado pelo movimento "Cansei", ainda que nem todos os seus fundadores tenham propósitos precisamente iguais, é típico do golpismo que sempre foi a vocação política mais à vista na riqueza, não importa se cansada ou não. A fonte de onde surge não lhe nega a natureza pressentida: um escritório de negócios em São Paulo, tal como se identificaria nos primórdios de todos os golpes e tentativas de golpe desde 1944/1945, pelo menos.
Também denominada "Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros" -batismo que os padrinhos relegaram, por considerarem o apelido "Cansei" mais representativo dos seus propósitos - o que a iniciativa sugere, de fato, é uma interrogação.
O que mais deseja a riqueza brasileira, além das condições inigualáveis que o governo Lula lhe proporcionou? O fim da inflação, o emudecimento do sindicalismo e das reivindicações sociais; concessões transgênicas para todos os tipos de grandes empresas e negócios, Bolsa farta e imposto baixinho ou a zero; e, sobretudo, a transferência gratuita de um oceano de dinheiro dos cofres públicos para os da riqueza privada, por intermédio dos juros recordistas concedidos pelo próprio governo aos títulos de sua emissão. Ainda não basta?
O que deseja a riqueza não pode ser a correção das deformidades socioeconômicas, institucionais e políticas que refreiam o Brasil, enquanto países do seu aparente status desenvolvem-se a níveis exuberantes. É da não-correção que vem grande parte das facilidades pelas quais a riqueza se multiplica sem cessar: a fraqueza ética do Congresso, a corrupção administrativa que só tem o corrupto e não o corruptor, as eleições movidas a marketing endinheirado, e por aí.
Além disso, nunca se viu a riqueza movendo-se, de fato, por correções e reformas a serviço do interesse do país. Os seus lobbies e outros meios só se movem, historicamente, por alterações que privilegiem os interesses da própria riqueza privada. Assim é a história parlamentar e administrativa do Brasil, para dizer o mínimo, do último meio século.
O governo Lula deu e dá à riqueza privada a situação que a ela deu o "milagre econômico" da ditadura, porém, agora sem os inconvenientes produzidos pela força. A quem vive no Brasil em nível de primeiríssimo mundo, conviria, portanto, demonstrar um pouco mais de compostura. Se não para aparentar recato que lhe falte, por um grão a mais de esperteza.
"Cansei" - e daí? Vai fazer ou, pelo menos, propõe o quê, de objetivo, prático e necessário? Disse um dos "cansados": "Queremos despertar em cada indivíduo o que ele pode fazer para mudar o país". Pois façam isso no seu próprio movimento. Sem que, para tanto, o seu alegado cansaço exale sentidos que, intencionais ou não, negados ou não, vão até onde não devem.