sexta-feira, 10 de agosto de 2007

2° grau


Antes que acusem este estranho doutor de lulismo, petismo ou quaisquer outros ismos, lembro aos desatentos que ele faz, e sempre fará, jus ao adjetivo de sua alcunha. Não sou do PT nem filiado a nenhum partido. Da mesma forma, não sou um idiota para ignorar a história política do país. Logo, não posso esquecer que o atual governo é (ou era?) a maior esperança de, pelo menos, alguma fagulha transformadora da histórica e lamentável estrutura social brasileira. Isso é inconteste e a gente aprende no colégio, 2° grau - no meu caso, feito em uma instituição privada, privilégio de classe (tenho a plena consciência disso), preciso ao menos honrar o dinheiro da família, pois se matérias com matemática, física e outras afins não vingaram na minha caixola, aprendi algo com as lições de história.
Se o atual governo não está a contento, creio que isto seja motivo de dor. Nenhum outro sentimento caberia. O que vejo constantemente nas ruas (mais abastadas, claro), no entanto, é um certo prazer nas críticas, quase um gozo com os desvãos da administração federal.
Aos que se deliciam com os deslizes do governo, lembro-lhes que na história recente do Brasil, como vocês devem saber, não existe nada acontecendo para que tenhamos novas esperanças de um país efetivamente mais democrático. E isso também é motivo de dor. Talvez mais.

Feito o prelúdio, trancrevo abaixo mais uma boa crônica do Veríssimo, publicada ontem, e que tem a ver com o tema. Allez!

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Inauguradores

Da sua fundação até a eleição de Andrew Jackson em 1829, a república dos Estados Unidos da América foi presidida por seis aristocratas. Entre eles cinco dos autores da sua constituição, o primeiro contrato social republicano da História, que incluía o que depois seria chamado (por Gore Vidal) de “divino remendo”, a Carta dos Direitos, mas também uma desproporcional preocupação com o direito de propriedade – não fossem todos os seus signatários proprietários rurais, além de escravocratas. As credenciais dos primeiros presidentes da nova república como teóricos da democracia – em especial as de Thomas Jefferson, o mais intelectual dos fundadores – eram intocáveis. Mas foi o sétimo presidente quem pos à prova a teoria e, para todos os efeitos históricos, inaugurou a democracia americana. Andrew Jackson foi posto na Casa Branca por um movimento popular, e mais pela sua personalidade do que pela sua procedência. Fundou o que até hoje chamam por lá de “jacksonian democracy”, para a distingui-la da primeira fase, teórica, da democracia, ou enfatizar sua diferença de outros modelos republicanos – nem sempre como um elogio.

No México, Benito Juárez também foi um primeiro. No seu caso, o primeiro mexicano com cara de mexicano autêntico a chegar ao poder desde a conquista espanhola. Mais importante do que seus períodos na presidência foi a sua cara, e o que ela simbolizava. Índios, meio-índios e não índios se alternaram no poder depois de Juárez, mas o que a primeira eleição, em 1858, de alguém cuja língua original fora o zapoteca significou para a consciência mexicana se vê até hoje na mitificação da sua figura, e não apenas nos murais de Rivera e Siqueiros. Como Jackson, Juarez foi um inaugurador.

A comparação entre os dois termina aí. Juárez tentou modernizar o México, enfrentou os latifundiários e o poder da Igreja – além de invasores franceses e a influência do grande e metido vizinho do norte. Ou seja, não foi apenas uma carranca bonita. Jackson fez a sua reputação e ganhou sua popularidade como militar particularmente truculento, arrasando ingleses e índios com o mesmo gosto, e acabou um senhor rural, dono de escravos, como os aristocratas que desprezava e o desprezavam. Ele, sim, foi apenas um símbolo. Mas tanto o México quanto os Estados Unidos se beneficiaram do ineditismo que os dois representaram em suas histórias.

É difícil dizer se o Lula está fundando alguma coisa. Se depois dele virá algo melhor, pior, a mesma história de sempre – ou o dilúvio. O tamanho dessa reação ao inédito que ele representa na nossa política também é difícil de interpretar. É reflexo condicionado do conservadorismo ameaçado, é uma repulsa justificada e terapêutica – ou é apenas o Brasil, como sempre, deixando para fazer depois (como no caso da absolvição da escravatura) o que outros países fizeram há tempo? Sei lá.

Um comentário:

Anônimo disse...

Bazito, como sempre: EXCELENTE!!!!