terça-feira, 9 de outubro de 2007

Cana, revolta e larica de vida

"Mas também esses pernambucanos são revoltados com tudo!" Eis a frase que ecoou em minhas oiças na saída de mais uma premiere do festival de cinema do Rio. Em primeiro lugar, caberia a pergunta: que pernambucanos? Sabemos que esses rótulos identitários comumente escondem a complexidade que existe nos grupos a que se referem, quaisquer que sejam eles (religiosos, nacionais, estaduais etc.). Ainda no campo da cultura, posso usar como resposta, por exemplo, a constatação de que o teatro/televisão que João Falcão faz nada tem a ver com a música do mundo livre s/a.
No entanto, admitamos as vestes. Por que seriam os pernambucanos tão revoltados? Precisamente, não sei. Muito coentro na infância, talvez diria Cláudio Assis. Tenho comigo algumas razões um tanto intelectuais, confeso, e um pouco mirabolantes. Razões que remetem as possíveis raízes de tal revolta (mesmo acreditando que só conhecemos raiz se for a da mandioca, como certa vez falou o ministro Gilberto Gil). Sobre o fato de serem mirabolantes... podem ser, ma non troppo. Vejamos.
Minhas razões são um tanto marxistas, ou melhor, materialistas. Até que um outro ciclo econômico tome conta do Estado (que Suape traga a bonança além dos tubarões de BV), os pernambucanos serão sempre seres açucarados - metáfora não no sentido figurado relativo a meiguice ou delicadeza (muito pelo contrário!), mas referente ao "ouro branco" mesmo. Desde a perda do domínio comercial açucareiro, que sustentou a nação durante um bom período, Pernambuco se tornou um entrave político para o país. O declínio da oligarquia canavieira e a consequente falta de reconhecimento nacional geraram uma espécie de revolta da elite que, além de dinheiro e território, perdeu seu bem mais precioso, o pestígio. E tome choro então. Choro e revolta. No ambiente da cultura, a intelectualidade local, herdeiros representantes desta elite, montaram seus discursos neste mesmo trilho da perda, do ressentimento (a afirmação regionalista nordestina na primeira metade do século XX - e sua peleja com o modernismo paulista - pode ser sintomática neste sentido).
Mas seriam estes os pernambucanos revoltados da frase colhida na saída da premiere? Creio que não. Aqueles são de outra cepa. São rebentos do ápice da estagnação econômica que levou o Recife ao caos social dos anos 1990, com índices alarmantes de miséria - em 91 chegou a ser considerada a quarta pior cidade do mundo para se viver, segundo uma pesquisa do Population Crisis Committee, órgão credenciado pela ONU. São urbanos, cosmopolitas pobres (salve Silviano Santiago!) e brabos. Uma brabeza que não é o choro de perdedor de outrora (até porque já nasceram perdidos), e sim indignação e inconformismo. Nada dos achaques egolombráticos de boa parte da classe artística dos grandes centros. Nada de pantim. Percebem o mundo para além dos próprios umbigos, traduzindo-o em sua crueza e aberrações. Sabem da enganação da ordem neoliberal. Realizam as coisas com o tutano de quem conhece o lado B da existência. Senhores de novos engenhos*, botam pra moer a cana da inquietação, com sustância e muita, mas muita larica de vida...

*Metáfora de Francisco Reginaldo Sá Menezes (O Carapuceiro)

ps.: Este texto foi escrito após uma sessão de Deserto Feliz, o novo filme de Paulo Caldas. Assistam!(pelos motivos acima)

4 comentários:

Anônimo disse...

larica de vida & la babilônia soy jo!
entendo bem deste assunto.
se cuida bazoubel.
beijos

Anônimo disse...

fazia tempo que nao lia uma analise tao completa, Bazo. Esse texto deveria ir entre os seus melhores. Vou samplear e repassar. Beijo.

Cláudio Machado disse...

Beto,

Tudo é relativo, até a brabeza pernambucana e o conformismo dos inocentes do Leblom!

Anônimo disse...

estamos de acordo, cacau (taí o texto pra mostrar as diferentes brabezas). muita honra, tê-lo por aqui. volta e meia dou as caras no "pelas ruas que andei". abs, Dr. E.