A carapuça do rei
Luís Carlos Lopes
É estranha a sobrevivência de algumas antigas instituições que têm uma história lamentável. A maior parte das monarquias foram, há muito tempo, depostas. Quase sempre, mais ou menos pacificamente, tal como ocorreu no Brasil de 1889. Entretanto, alguns monarcas perderam suas cabeças. Um dos casos recentes e rumorosos é o do tsar russo, fuzilado na nascente União Soviética, junto com toda sua família. Por lá, fez-se quase o mesmo que os ingleses fizeram no século XVII e os franceses, no final do XVIII. O escândalo desta execução contemporânea, ainda ressoa, como um dos fantasmas da quase centenária revolução bolchevique.
A palavra de ordem ‘Morte ao Rei’ era um elemento de mobilização liberal, revolucionária e popular no século XIX. As monarquias impediam reformas e revoluções, seguravam a história e a manutenção dos seus privilégios. Aliavam-se, na fase absolutista e na constitucional, com as elites no poder. Os reis da Itália e da Espanha aliaram-se ao movimento fascista, a partir da década de 1920. O rei do Japão fez o mesmo com os peculiares fascistas japoneses. As burguesias destes países não viram qualquer problema em preservar e alimentar estas velhas instituições, baseadas no poder hereditário. Elas eram símbolos da conservação.
No caso inglês, a maior parte da nobreza inglesa manteve-se, na era do fascismo, leal à Inglaterra e ao poder liberal. Isto foi feito, sem jamais abdicar das benesses do poder e de posições sociopolíticas profundamente conservadoras. A monarquia britânica, com toda a sua história passada de horror, escravidão e poder, nunca deixou de simbolizar seu passado de opressão dos povos coloniais e de soberba neocolonial, mesmo a partir das últimas décadas do século XX. A decrepitude desta instituição mantém-se como um signo. Este impede qualquer avanço, além dos limites impostos pelos atuais donos do poder. Passado e presente sentam junto à mesa e comem o mesmo banquete. O principal prato servido é o da dominação, como nos tempos imemoriais de onde vieram.
A idéia de república inflamou o coração de muitos na Espanha e nos demais países da década de 1930. Não foram poucos, os jovens de toda parte que rumaram para lá, lutaram pela liberdade, pela república e pelo socialismo. A derrota da causa republicana, as manutenções fascistas da monarquia e do poder clerical significaram um retrocesso que custou a vida de pelo menos um milhão de pessoas. A Espanha precisou aguardar meio século para se modernizar e, ainda hoje, respira um pouco deste passado. É verdade que o rei Juan Carlos não abraçou a idéia franquista de continuar o regime, em meados da década de 1970. É, outrossim, verídico que se ele não tivesse assim procedido, o fascismo espanhol teria inevitavelmente caído, talvez, com a abolição da velha monarquia local.
Nas mídias das atuais indústrias culturais, as nobrezas reais voltaram à moda. Têm sido feitos filmes que lembram do glamour das monarquias e ‘esquecem’ do horror social que representavam. Vários reis e rainhas depostos, ou ainda no poder, transformaram-se em celebridades póstumas ou atuais. As mídias continuam a falar dos ‘prodígios’ da nobreza, do seu fausto e, igualmente, dos seus incontáveis e pavorosos escândalos. Ao que parece, pelo mundo afora, pertencer às linhagens nobiliárquicas é também ser uma ‘persona midiática’, muito semelhantes aos membros do ‘star system’ contemporâneo. Eles continuam a viver da superficialidade, do dinheiro fácil, da fama conseguida nas mídias e, sobretudo, das alianças políticas com as forças da ordem.
O curioso é que Chávez falou de Aznar, político espanhol de inspiração fascista, mas foi o rei da Espanha que mandou que se calasse. Chávez lembrou que tem a legitimidade do voto, por mais que seja um pouco espalhafatoso e não tenha papas na língua. É certo que Chávez não falou no momento e lugar adequado, tendo sido pouco diplomático. Entretanto, qual é a legitimidade do El-rey mandar um chefe de Estado mestiço e atual, calar a boca? Passado e presente se encontraram, juntando a comédia à tragédia de sempre.
In: Carta Maior
quarta-feira, 14 de novembro de 2007
O rei está nu!
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Um comentário:
Ps1 - "Nas mídias das atuais indústrias culturais, as nobrezas reais voltaram à moda" - Ha querido...agora estamos falando a mesma lingua!A 'moda' manda 'vcs.' publicam.Onde esta todo esse pensamento critico, antes de fazer o que NAO deve ser 'moda' virar tendencia?
Ps2 - O chefe de estado mestico e atual da provas de TUDO, menos de que sabe o que significa ter sido eleito democraticamente. Por onde anda a forca do congresso Venezuelano? Podes me dizer?
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