quinta-feira, 27 de março de 2008

Vira e mexe, identidade

O título deste post parafraseia o nome do último livro da professora e crítica de literatura Leyla Perrone-Moisés, Vira e mexe, nacionalismo (uma frase, como ela mesma revela na epígrafe, de Mário de Andrade). A autora é tida por muitos da área dos estudos literários como defensora dos cânones da literatura em detrimento das análises de cunho mais culturalistas (nas quais geralmente me enquadro). Não julgarei aqui seus méritos ou deméritos. Aliás, correndo riscos com meus pares(?), julgarei sim: como escreve bem a tal Leyla! É daquelas(es) escritoras(es) cujas construções textuais e ideológicas, mesmo que se venha a discordar de seus pontos de vistas, sempre geram questionamentos férteis e inquietações intelectuais (é incrível como atualmente tenho mais prazer na leitura de autores que tendo a discordar de suas idéias e universos, mas que escrevem com muita destreza e/ou inteligência, como é o caso de Harold Bloom, Luc Ferry, Clarice Lispector, entre outros).


Bom, o livro, como título já aponta, traz 13 artigos que se ocupam basicamente com o tema da identidade - nossa(?) e alhures. No texto intitulado "Paradoxos do nacionalismo literário na América Latina"(trata-se de uma tradução da conferência que autora fez no Canadá em 1994, na ocasião do Congresso da Associação Internacional de Literatura Comparada), Perrone-Moisés constrói este belo parágrafo:


"O grande problema é que esses (olhares)lugares-comuns europeus sobre a América Latina são em parte verdadeiros. Apesar de todas as misérias, os países latino-americanos têm, de fato, uma natureza exuberante, e seus habitantes, uma vitalidade, uma imaginação e um gosto pela festa que se devem a certos arcaísmos preservados, ao simples desejo de sobreviver ou a uma venturosa inconsciência. A questão não é nos desfazermos dessas características, que agradam aos outros, mas vivê-las com lucidez, e não como uma compensação do que falta ao outro."


Na minha leitura, este trecho desfaz a máxima oswaldiana da alegria como prova dos nove*. Latino-americanos, brasileiros e outras identidades periféricas não têm que provar nada e a ninguém. Carecem apenas, conforme a citação acima deixa subentender, de fazer uso da lúcida sabedoria popular: "Deixa a vida dos outros, faz o teu!"


* Ao ler o parágrafo citado me lembrei imediatamente de um poema da amiga Camila do Valle que toma como paródia a referida frase de Oswald de Andrade:
"A minha alegria não é prova dos nove: é ajuste de contas."
Na época em que foi publicado, adorei esta boutade. Hoje, no entanto, mesmo longe de ignorar o peso e a influência das heranças históricas (e tantos traumas coloniais), não creio nas contas a ajustar. Pelo menos não no sentido da questão colocada por Leyla Perrone-Moisés - "não como uma compensação do que falta ao outro". Isto talvez seja energia demais gasta com o alheio.

Nenhum comentário: