Há dias não escrevo por aqui. Uma série de razões me inviabilizaram, desde um texto para uma revista acadêmica as curtas férias em São Paulo. Em última instância, faço também uma faxina na vida - o que não tem sido fácil. Balanço geral e doloroso, daqueles que põe em xeque meu próprio ato de escrever (seca criativa, falta de manha?). Não se preocupem, não me alongarei com querelas umbilicais.
Bom, como a vida não desapeia e algumas leituras ainda não me deixam indiferente, compartilho o texto do José Geraldo Couto publicado hoje no caderno de esportes da Folha de São Paulo. Prosa sobre nosso nacionalismo, bastante em voga na atual maré olímpica. Coisa simples e direta, como costumam fazer os craques de verdade.
Acaso de migrações
Em tempos olímpicos, cabe indagar o que significam hoje termos como pátria e nacionalidade
"NENHUM BRASIL existe. E acaso existirão os brasileiros?" O verso que encerra o poema "Hino Nacional", de Carlos Drummond de Andrade, sempre me volta à memória em ocasiões como esta, de "exaltação da nacionalidade".
De dois em dois anos, graças às Olimpíadas e às Copas do Mundo, lembramos que somos brasileiros, que nossa bandeira é verde e amarela, que o nosso hino é o "Virundum" e que Galvão Bueno tem o dom da onipresença.
Mas a provocação de Drummond soa cada vez mais atual. O que é uma nacionalidade num mundo cada vez mais globalizado, no qual o poder do dinheiro desconhece fronteiras, línguas, culturas? O que vale mais: o distintivo de um país ou o logotipo de um grande patrocinador? Já faz tempo que a seleção brasileira de futebol, por exemplo, não é mais vista como o ápice onde almejam chegar os atletas, mas como mera vitrine para valorizar seu passe no exterior. Não é mais fim, é meio.
Nestes dias de Olimpíada, fiquei sabendo que uma dupla brasileira de vôlei de praia, Renato Gomes e Jorge Terceiro, vai disputar as medalhas pela Geórgia, ex-república soviética que eles mal conhecem e cuja língua, obviamente, não falam.
Voltando ao futebol, a revista "Placar" deste mês traz uma lista espantosa: a dos mais de 60 futebolistas brasileiros que defendem seleções de outros países.
Há jogadores brasileiros vestindo as camisas da Alemanha, do Qatar, de Hong Kong, da Macedônia, de Honduras, do Vietnã...
O fato é que a noção de nacionalidade se esgarçou muito nos tempos atuais, tornando cada vez mais vazio e retórico o discurso patriótico. O que é a "pátria", afinal? Para uns, é a bandeira, o hino, as glórias da história oficial. Para outros, a pátria é o McDonald's, a Microsoft ou a Daslu. Eu disse uma vez que a minha pátria é o futebol, mas isso é uma simplificação brutal. É, sim, o futebol, mas um certo futebol, aquele que eu cresci vendo e tentando praticar.
É também uma música, um humor, um sotaque. Alguns aromas e sabores. Uma afetividade. "A verdadeira pátria é a infância", disse Baudelaire. É o lugar -real ou imaginário- em que nos sentimos em casa.
Por isso, por mais que admire os feitos de atletas como Rodrigo Pessoa, os irmãos Grael e Robert Scheidt, não consigo vibrar com eles, porque a equitação e o iatismo não fazem parte da "minha pátria".
Não é porque eles ostentam o verde e o amarelo em algum lugar da indumentária que vou me sentir mais próximo deles, assim como não sinto afeto (positivo ou negativo) pelos mauricinhos brasileiros da F-1.
E já que abri esta coluna com Drummond, encerro com versos de outro Andrade, o Mário, que expressam o que não fui capaz de dizer: "Brasil amado não porque seja a minha pátria,/ pátria é acaso de migrações e do pão-nosso onde Deus der.../ Brasil que eu amo porque é o ritmo do meu braço aventuroso,/ o gosto dos meus descansos,/ o balanço das minhas cantigas amores e danças./ Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada,/ porque é o meu sentimento pachorrento,/ porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir".
sábado, 9 de agosto de 2008
Faxina na existência e o nosso velho samba exaltação
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