terça-feira, 31 de julho de 2007

"Cansei" do quê?

Mais uma vez atropelado pelos afazeres, este doutor anda sem tempo e inspiração para escrever. Enquanto não encontro folga e assunto para tal, publico um texto raro que saiu hoje num jornal de grande circulação nacional. Boa leitura!

Cansei de "basta!"
por Janio de Freitas

O que mais deseja a riqueza do país, além das condições inigualáveis que o governo Lula lhe proporcionou?

O odor exalado pelo movimento "Cansei", ainda que nem todos os seus fundadores tenham propósitos precisamente iguais, é típico do golpismo que sempre foi a vocação política mais à vista na riqueza, não importa se cansada ou não. A fonte de onde surge não lhe nega a natureza pressentida: um escritório de negócios em São Paulo, tal como se identificaria nos primórdios de todos os golpes e tentativas de golpe desde 1944/1945, pelo menos.
Também denominada "Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros" -batismo que os padrinhos relegaram, por considerarem o apelido "Cansei" mais representativo dos seus propósitos - o que a iniciativa sugere, de fato, é uma interrogação.
O que mais deseja a riqueza brasileira, além das condições inigualáveis que o governo Lula lhe proporcionou? O fim da inflação, o emudecimento do sindicalismo e das reivindicações sociais; concessões transgênicas para todos os tipos de grandes empresas e negócios, Bolsa farta e imposto baixinho ou a zero; e, sobretudo, a transferência gratuita de um oceano de dinheiro dos cofres públicos para os da riqueza privada, por intermédio dos juros recordistas concedidos pelo próprio governo aos títulos de sua emissão. Ainda não basta?
O que deseja a riqueza não pode ser a correção das deformidades socioeconômicas, institucionais e políticas que refreiam o Brasil, enquanto países do seu aparente status desenvolvem-se a níveis exuberantes. É da não-correção que vem grande parte das facilidades pelas quais a riqueza se multiplica sem cessar: a fraqueza ética do Congresso, a corrupção administrativa que só tem o corrupto e não o corruptor, as eleições movidas a marketing endinheirado, e por aí.
Além disso, nunca se viu a riqueza movendo-se, de fato, por correções e reformas a serviço do interesse do país. Os seus lobbies e outros meios só se movem, historicamente, por alterações que privilegiem os interesses da própria riqueza privada. Assim é a história parlamentar e administrativa do Brasil, para dizer o mínimo, do último meio século.
O governo Lula deu e dá à riqueza privada a situação que a ela deu o "milagre econômico" da ditadura, porém, agora sem os inconvenientes produzidos pela força. A quem vive no Brasil em nível de primeiríssimo mundo, conviria, portanto, demonstrar um pouco mais de compostura. Se não para aparentar recato que lhe falte, por um grão a mais de esperteza.
"Cansei" - e daí? Vai fazer ou, pelo menos, propõe o quê, de objetivo, prático e necessário? Disse um dos "cansados": "Queremos despertar em cada indivíduo o que ele pode fazer para mudar o país". Pois façam isso no seu próprio movimento. Sem que, para tanto, o seu alegado cansaço exale sentidos que, intencionais ou não, negados ou não, vão até onde não devem.

domingo, 29 de julho de 2007

Um dia cai - notas dominicais XII

"É um orgulho estranho, a confirmação de um talento nato pra não trabalhar. Como levar um fora de uma mulher que você sabe que não te merece. Enche um homem de certezas. Não tenho, mas sei que o dinheiro está lá. Existe, espalhado pelos bolsos de quem risca as ruas com carros importados, lota restaurantes, shoppings, bares, hotéis caros, está nos bancos, em barcos, boates, aparelhos de ginástica, maconha da boa, pó, tarjas pretas, eletrodomésticos, vista pro mar, putas de cabelo amarelo; eu posso sentir, eu posso tocar o dinheiro, posso sentir seu cheiro de vestiário, esse cheiro de cu, o tato nojento do dinheiro, o caminho de intestino que o dinheiro faz até nós. Um dia cai no meu bolso. Continuo fazendo o que eu faço, esses empregos de merda, escrevendo isso aqui. Um dia cai. E me abaixo pra pegar."

(trecho de Corpo presente, romance de João Paulo Cuenca)

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Réquiem para virtuais vítimas e atiradores

Só hoje escutei a mais nova balada da mundo livre s/a, a melhor banda deste planeta em ruínas. Sorry. Chama-se "Cho Seung Song" e tem como pano de fundo o massacre de 32 pessoas na Universidade da Virgínia, no dia 16 de abril. De acordo com ZeroQuatro, a música "é uma espécie de valsa maluca, com momentos que remetem a Mutantes e Bob Dylan"... ..."Ela exorciza vários fantasmas do American Way of Life".
Este estranho Doutor ouviu e aprovou. Agora é com vocês, letra abaixo e música aqui.

“Cho Seung song (Réquiem para virtuais vítimas e atiradores)”

O sol nunca se põe nos infinitos domínios da Microsoft
Todos sabemos que é só uma inocente e singela corrida
Tudo é seguro nos liberais domínios da tecnolife
Mas por uma razão qualquer eu só consigo ver macrosangue
(Escorrendo dos dedos tétricos que preparam nossos castos Big Macs)

Então eu estou voltando pra China, nunca é tarde
Mas antes queria levar um lote de vocês pra um longo passeio
Quem tem que viver encurralado, bye bye peixinhos dourados, bye bye

Consciência ambiental com as menores taxas do pregão
Mas algo me incomoda, não sei, deve ser o cheiro de ódio
(Que exala de suas turbinadas sementes)
Dólar em baixa comprime os preços nos mercados emergentes
Mas quem não conhece o final dessa piada
Funesta maratona sem linha de chegada
Satélites rastreiam nossos passos
Portanto eu realmente não sei
Quanto tempo ainda temos pra limpar as mãos antes que o anjo/rede/NBC
Nos liberte desse tenebroso anonimato

Então eu estou voltando pra China, nunca é tarde... (refrão)

O sol nunca se põe...
Todos sabemos que é só uma corrida de vantagens

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Já, de volta a ativa! (e virado no mói de coentro!)


Enfim, salvo! Artigo pronto e cá estou de volta ao cultivo desta propriedade, minha única por sinal. Não foi fácil, ainda mais que o tema que escolhi para escrever o tal texto não dispunha de muita bibliografia. O assunto? Ah, fiz um arrodeio medonho pra mostrar que idéias futuristas em cenas culturais periféricas funcionam como um mecanismo de transcendência da miséria(!). Acreditem, escrevi sobre isso. Disponibilizarei aqui assim que o livro que ele fazerá parte for lançado (e também quando achar alguma forma de publicar arquivo word na web, coisa que consegui apenas através do 4Shared, mas essa ferramenta estipula um prazo de disponibilidade e depois do seu vencimento, só depositando uns caraminguás na conta dos caras, senão o material expira. Foi o que ocorreu com o meu currículo e com alguns artigos que coloquei neste blog, como vocês já devem ter percebido - algum leitor saberia informar uma solução? Desde já, minha mais sincera gratidão).

Mas, voltando a “volta”, não foi dessa vez que a degola das obrigações ceifou o pescoço desse estranho doutor. Mesmo com um cansaço de Hércules pós-12 trabalhos - pois além do artigo, montei nos últimos dias os exemplares definitivos de minha tese para a biblioteca da universidade (trabalho do cão! 739 páginas, 3 tomos e logo logo um link aqui!) -, sinto-me com os poderes revigorados, com uma puta larica de vida e doido pra voltar ao mundo, "pra estraçaiá!", como na cartilha-nocaute do imbatível Todo-Duro - é o fraco???!!! Em outras palavras, é o Dokstrange virado no mói de coentro! Ainda bem que amanhã tem show da Nação Zumbi (Circo Voador, maiores informações aqui) pra gastar a freqüência...

Bom, pra sair do umbigo, segue abaixo uma crônica do Veríssimo que eu queria ter publicado na semana passada, mas a lida não permitiu. Ainda sobre as vaias do Lula. Recado para o coro dos que acreditam cegamente na nossa grande imprensa e para o coro dos que sentem mais prazer do que dor com os atropelos do governo (aliás, são praticamente o mesmo coro). Sai com atraso, mas cheia de carinho, Dr. E.
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Cumplicidade*

Uma comprida palavra em alemão (há uma comprida palavra em alemão para tudo) descreve a "guerra de mentira" que começou com os primeiros avanços da Alemanha nazista sobre seus vizinhos. A pouca resistência aos ataques e o entendimento com Hitler buscado pela diplomacia européia mesmo quando os tanques já rolavam se explicam pelo temor comum ao comunismo. A ameaça maior vinha do Leste, dos bolcheviques, e da subversão interna. Só o fascismo em marcha poderia enfrentá-la. Assim muita gente boa escolheu Hitler como o mal menor. Ou, comparado a Stalin, o mau menor. Era notório o entusiasmo pelo nazismo em setores da aristocracia inglesa, por exemplo, e dizem até que o rei Edward VIII foi obrigado a renunciar não só pelo seu amor a uma plebéia mas pela sua simpatia à suástica. Não tardou para Hitler desiludir seus apologistas e a guerra falsa se transformar em guerra mesmo, todos contra o fascismo. Mas por algum tempo os nazistas tiveram seu coro de admiradores bem-intencionados na Europa e no resto do mundo - inclusive no Brasil do Estado Novo. Mais tarde estes veriam, em retrospecto, do que exatamente tinham sido cúmplices sem saber. Na hora, aderir ao coro parecia a coisa certa.

Comunistas aqui e no resto do mundo tiveram experiência parecida: apegarem-se, sem fazer perguntas, ao seu ideal, que em muitos casos nascera da oposição ao fascismo, mesmo já sabendo que o ideal estava sendo desvirtuado pela experiência soviética, foi uma opção pela cumplicidade. Fosse por sentimentalismo, ingenuidade ou convicção, quem continuou fiel à ortodoxia comunista foi cúmplice dos crimes do stalinismo. A coisa certa teria sido pular fora do coro, inclusive para preservar o ideal.

Se esses dois exemplos ensinam alguma coisa é isto: antes de participar de um coro, veja quem estará do seu lado. No Brasil do Lula é grande a tentação de entrar no coro que vaia o presidente. Ao seu lado no coro poderá estar alguém que pensa como você, que também acha que Lula ainda não fez o que precisa fazer e que há muita mutreta a ser explicada e muita coisa a ser vaiada. Mas olhe os outros. Veja onde você está metido, com quem está fazendo coro, de quem está sendo cúmplice. A companhia do que há de mais preconceituoso e reacionário no país inibe qualquer crítica ao Lula, mesmo as que ele merece.

Enfim: antes de entrar num coro, olhe em volta.

*Crônica publicada no jornal Zero Hora, de Porto Alegre, em 19 de julho de 2007

domingo, 22 de julho de 2007

Auto-sabotagem - notas dominicais XI

"Eu vivo em estado de celebração quando penso em você, e eu sempre estou sempre em você. E pensar em você não pode me fazer sentir mal. Eu nunca me senti sujo. Eu andei pelo subsolo dessa cidade com as figuras mais absurdas, entrei em ruelas, becos, desci escadas apertadas embaixo da terra, pisei descalço em poças imundas, mas eu nunca, nunca, me senti sujo, porque eu estava com você, de uma forma ou de outra. Como se você fosse um tipo de entidade, logo eu que sempre nunca acreditei nessas merdas, Carmen.
Você me segue, eu sei. E de algum jeito ou de outro, você acaba sentindo tudo. Tá no ar, meu amor, e você capta. Não precisa se preocupar. Nunca nenhuma mulher me fodeu como você. E você nunca fodeu como nenhuma delas. Mas isso não importa, Carmen. Nunca importou.
Você percebe que a única categoria de infidelidade realmente existente é a autocometida? No limite, eu só devo fidelidade a uma pessoa. Eu preciso ser sincero comigo mesmo - não posso continuar escondendo coisas de mim. Eu não quero continuar mudando de assunto e driblando pensamentos, ninguém precisa disso. Eu não posso continuar me sabotando. E não há quem me obrigue a não ser sincero. Não pode haver. Eu não preciso do medo de pensar até o limite sujo e viscoso da minha consciência. Eu quero ir além, eu quero ir até onde eu não puder mais e, se você quiser me dar a mão e perder o medo, eu estou aqui, eu vou sempre estar, Carmen."

(trecho do romance Corpo presente, obra de João Paulo Cuenca)

terça-feira, 17 de julho de 2007

Aos ilustres navegantes

Caros ilustríssimos leitores,
O Dr. Estranho, este mesmo que remenda estas palavras, talvez se ausente momentaneamente deste minifúndio virtual por motivo de força maior: está com a corda no pescoço. Explico. Convidado para escrever um artigo a ser publicado em livro sobre música popular (através de um convênio PUC-Rio/IFCS-UFRJ), tenho até o dia 25 do mês corrente para dar conta de tal desafio. Confidencio que o negócio não tá fácil...
Caso me enforquem, livrarei-os desta perda de tempo eletrônica. Caso sobreviva, cá estarei novamente. E se sobreviver com a missão cumprida, prometo disponibilizar o texto pra vocês. Promessa feita, então mãos à obra!
Desde já agradeço a compreensão e (sempre) a paciência,
Dr.E.

domingo, 15 de julho de 2007

Castigo divino - notas dominicais X


"E agora vou propor uma teoria alucinada. Suponhamos que a loucura é o estado primordial do ser humano. Suponhamos que Adão e Eva viviam na loucura, que é a liberdade e a criatividade total, a exuberância imaginativa, a plasticidade. É a imortalidade, porque carece de limites. O que perdemos ao perder o paraíso foi a capacidade de contemplar essa coisa enorme sem nos destruir. 'Se das estrelas chegasse agora o anjo, imponente/ e descesse até aqui,/ as pulsações do meu coração me abateriam', dizia Rilke, que sabia que o ser humano é incapaz de olhar a beleza (o absoluto) cara a cara. O castigo divino foi cair na prisão do nosso próprio eu, a racionalidade manipulável porém empobrecida e efêmera."

(Trecho do livro A louca da casa da escritora espanhola Rosa Montero)

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Política latino-americana e a mídia oligárquica

Para os que temem a atual conjuntura política latino-americana, creio que o momento deva ser, no mínimo, de desconfiança. Desconfiança com todos os lados, sobretudo com aquele lado que fabrica notícias no nosso país e que sempre representou os interesses da tacanha elite brasileira. Se você antipatiza com os rumos políticos que vêm sendo traçados na região e que têm na figura de Hugo Chávez a sua maior representação, troque o nome do presidente da Venezuela por qualquer outro no texto que transcrevo abaixo, só não deixe de prestar atenção no que está sendo dito. Lembre-se: o mundo não é uma mercadoria e a tal mão invisível jamais agarrará os dribles da história - muito menos nossos sonhos. O mundo não é tão óbvio como o que ela tenta nos impor. Graças a Deus...
Boa reflexão e, como já disse certa vez Jorge Du Peixe da Nação Zumbi, "pilote a sua cabeça!"

Decálogo para falar mal de Hugo Chávez
Por Emir Sader

Lembrete pendurado na frente de jornalistas da mídia oligárquica:

1. Devo falar mal de Hugo Chávez porque ele recupera o papel do Estado, desqualificado e enterrado por nós há tempos.

2. Devo falar mal de Hugo Chávez porque ele se diz anti-imperialista e esse é um tema proibido na mídia há tempos.

3. Devo falar mal de Hugo Chávez porque ele funda um novo partido, quando martelamos todos os dias que todos os partidos são iguais, que são negativos, que sempre refletem interesses de grupinhos.

4. Devo falar mal de Hugo Chávez porque ele recupera o papel da política, quando todo o trabalho cotidiano da mídia é para dizer que a política é irrecuperável, que só a economia vale a pena.

5. Devo falar mal de Hugo Chávez porque ele vende petróleo subsidiado aos países que não podem pagar o preço do mercado - inclusive a pobres dos Estados Unidos -, o que evidentemente fere as leis do mercado, pelo qual tanto zela a midia.

6. Devo falar mal de Hugo Chávez porque ele é um mau exemplo para os militares, que só devem intervir na política quando seja necessário um golpe militar e nunca para defender os interesses de cada nação.

7. Devo falar mal de Hugo Chávez porque ele ataca a mídia privada e fortalece a mídia pública. Porque ele acabou com o analfabetismo na Venezuela, tema sobre oqual devemos calar. Porque ele vai diminuir a jornada de trabalho em 2010 para 6 horas e esse tema é odiado pelos patrões.

8. Devo falar mal de Hugo Chávez porque assim me identifico com os interesses do dono do meio em que trabalho, garanto o emprego, fortaleço os partidos e as empresas aliadas do patrão.

9. Devo falar mal de Hugo Chávez porque ele faz com que se volte a falar do socialismo, depois que nos deu muito trabalho tratar de enterrar esse sistema, inimigo do capitalismo, a que estamos profundamente integrados.

10. Devo falar mal de Hugo Chávez (e de Evo Morales e de Lula e de todos os nao brancos), senão eles vão querer dirigir os países, os jornais, as televisões, as empresas, o mundo. Será o nosso fim.

(texto retirado do site Carta Maior)

terça-feira, 10 de julho de 2007

Ao público


Antes de descer até vocês para arrancar seus dentes podres, suas orelhas purulentas, suas línguas cheias de feridas.
Antes de quebrar seus ossos pútridos,
Antes de abrir suas barrigas infestadas de cólera e retirá-las para usar como fertilizantes de seus fígados gordurosos, seus baços ignóbeis e seus rins diabéticos,
Antes de rasgar seus órgãos sexuais horrorosos, incontinentes e viscosos,
Antes de extinguir seu gosto pela beleza, pelo êxtase, pelo açúcar, pela filosofia, pela matemática, pelos pepinos,
Antes de desinfetá-los com vitríolo, limpá-los e surrá-los com paixão,
Antes de tudo isso,
Vamos tomar um grande banho anti-séptico,
E nós avisamos:
Somos assassinos.

(Comício dadaísta em Paris, fevereiro de 1920)

domingo, 8 de julho de 2007

Paredes do mundo - notas dominicais IX


"não acredito somente na eloquência das palavras, mas também na de certos atos; e tenho a sensação de que os comportamentos decentes, por mais que sejam anônimos e passem quase despercebidos, constroem as paredes do nosso mundo. Sem esses atos belos, atos justos, atos bons, a existência seria insurportável."

Trecho de A louca da casa, livro da escritora espanhola Rosa Montero

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Três foiçadas


"Tem dia que a noite é assim", ecoou ontem o sample popular na boca do meu compadre marinheiro. Mas hoje parece ser dia que a noite não tem fim: acordei com a Indesejada num movimento de três foiçadas.


Antes da leitura matinal do jornal, soube por telefone do falecimento do cineasta Sérgio Bernardes, pessoa que conheci na época em que a produtora Pólo de Imagem ainda funcionava no Poço da Panela, bairrinho do Recife. Conheci Sérgio muito rapidamente através de minha ex-mulher com quem trabalhava. Recordo-me de um aniversário de sua filha que fui na casa que lhe deu a guarita recifense e onde tive tratamento fino. Pareceu-me um homem de generosidade e bastante afetuoso.


Ao abrir o jornal, leio no obituário a morte de José Agrippino de Paula, o autor de Panamérica, obra basilar para o Tropicalismo. Este livro talvez tenha sido o primeiro romance a trazer a cultura pop para a literatura brasileira. Nunca o li, mas sempre me foi uma promessa, tendo em vista que ele é daqueles textos que permeiam o universo de todo sujeito que invereda pelos caminhos da discussão cultural no Brasil - ainda devo a leitura, assim como a d' O romance da Pedra do Reino do velho Suassuna. Não pude cumprir minha promessa com o escritor em vida, uma pena.


Por fim, já a postos para o trabalho na web, tomo conhecimento da partida do menino Rafa, flautista da Mombojó. Confidencio ter sido esta a perda mais sentida - e que fique claro aqui que a intensidade da dor em nada rima com valor. Escrevo estas mal-traçadas por relações afetivas e só - todos de alguma forma me faltarão. Não que eu fosse amigo do músico, com quem só troquei duas palavras no Garagem, espécie de CBGB do miserê. Afora sua pouquíssima idade (tinha 24 anos), quem ouviu comme il faut o Nada de novo, primeiro disco da banda, talvez tenha dimensão da lágrima que derramo. Quem ainda não o escutou clique aqui, baixe o álbum inteiro (salve o copyleft!) e vá direto para a faixa "Duas Cores", obra-prima em que Rafa tatua suas notas em nossos tortos e líricos corações. Que o destino o carregue para o reino da alegria, sempre.

quarta-feira, 4 de julho de 2007

"Neolombrismos"

Depois de quase um ano reencontrei ontem a noite meu compadre, Guga, o homem do Atlântico e suas quebradas. Dois Domecqs e um mar de histórias a se abrir - como aquele que fez Moisés atravessar o povo judeu e cujo nome a minha cuca ruim nunca guardou no já gasto hd (Morto ou Vermelho?). Pena que nosso tempo era curto. Mesmo assim, contou-me rapidamente da vida e do mundo: Sardinha, cadelinha e novo amor que encontrou mamado numa farra no Carmo, Olanda - será afilhada de Xôla, a tabaca e seu duplo?!; a futura viagem dos pais para a Argentina; a regata grã-fina que irá correr no próximo final de semana em Ilhabela-SP; e até comentários acerca deste blog. Sobre o último assunto, perguntou se poderia me mandar uns textos para publicação, no que respondi de bate-pronto:
- Claro!
- Mas tem o seguinte, pontuou. - Todo texto que eu enviar e que tiver palavras grifadas é pra deixar como está! Não é erro de português, nem de digitação, nem porra nehuma!
- Sei, são neologismos...
- Não, são neolombrismos mesmos.

domingo, 1 de julho de 2007

Cem outonos - notas dominicais VIII



"Os antigos livros do hinduísmo determinam que no poente do dia do seu casamento, o casal deve sentar-se em silêncio até que as estrelas comecem a piscar no céu. Quando a estrela polar aparecer, o marido deve mostrá-la à mulher e, dirigindo-se à estrela, dizer: 'Firme és tu, vejo-te, a ti que és firme. Firme sejas tu comigo, ó florescente!' Em seguida, voltando-se para a mulher, deve dizer: 'Tu me foste dada por Brihaspati; tendo frutos por meu intermédio, viverás comigo cem outonos'. A intenção da cerimônia é, evidentemente, proteger-se contra a instabilidade da fortuna e da felicidade terrena graças à influência da estrela constante."

Passagem do livro O Ramo de Ouro de James Frazer, primeiro clássico da Antropologia.

Este postinho vai para o amigo Marcelo Luna que casou neste final de semana com Lu.