Outro dia ouvi um músico baiano famoso, cheio de colete, declarar que usava óculos escuros como um escudo para alma. Além de bloquearem os raios solares, os óculos serviam para o distinto artista como uma espécie de filtro contra as energias negativas que pairam no mundo dos homens.
Com meus estranhos botões, penso na existência de outras formas mais eficazes de proteção como, por exemplo, ser alguém destituído de charme. E quanto menos, maior é a guarita. Veja bem, a pessoa sem charme está fora da mira dos olhares alheios, o que, com certeza, já a livra de um percentual significativo da suposta “carga pesada” diagnosticada pelo músico. Além disso, é claro, tal característica oferece infinitamente mais liberdades. A pessoa sem charme pode levar quedas de escorregão, bicicleta, patinete ou rolimã, tirar catota do nariz, cera do ouvido, entre outros privilégios, tudo isso sem despertar a atenção dos passantes – e muito menos da indústria cultural, essa senhora sempre ávida pelos espíritos. A pessoa sem charme não carece de fechar o seu corpo nem de chamar o Tranca-ruas, anda de portas e janelas abertas, cabelos ao vento, sem ninguém lhe fulminar os tais agouros.
Livre dos olhares sedentos, a pessoa sem charme, no entanto, não consegue se desfazer completamente das atenções. É o caso, por exemplo, de quando ela leva uma topada. Mas aí é a sua sagração, ato que, entre outros efeitos, a constitui como a mais desarrumada das criaturas - logo, a mais inatingível (salvo pelas calçadas, batentes e coisas do gênero). A topada é o soluço do corpo inteiro que a projeta na direção de sua ignorada e inabalável tranqüilidade futura (carái!!). É o melhor dos “elásticos” - falo do drible - na arrumação, no conforme, no óbvio e na pretensão, tudo isso na mesma arrancada. Só uma topada é capaz de aniquilar de vez o que uma pessoa pode carregar de charme e arrogância. Aliás, a topada é o grau-zero da arrogância...
Ps.: Não poderia esquecer de fazer menção ao grande Genival Lacerda que imortalizou o tema no xote-trocadilho “A topada da menina”. Esta croniqueta é inteiramente dedicada ao nosso Rei da Muganga, de quem esse editor é discípulo desde pirraia.
Ps.2: E antes que me perguntem pela rg do artista, aviso-lhes que “guardarei nesta folha as regras boas, que é dos vícios falar, não das pessoas”... - o periódico-caçula aqui sempre dropando na sábia moral do velho e bom O Carapuceiro.
Um comentário:
"bonitinha mas desastrada" - estou salva!
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