segunda-feira, 21 de maio de 2007

Ponto de Parada


Tio,
recebi seu livro ontem a noite. Do que vi e li (algumas crônicas, na verdade, já conhecia), o bom gosto me chamou a atenção. O prefácio, os agradecimentos (a criação sempre será um ato coletivo!), o poema do Bandeira (volta e meia penso nele em meu exílio carioca - o "gatilho" do retorno vive eternamente puxado), a introdução e, sobretudo, a orelha com aquela passagem da experiência de nossa condição familiar diaspórica: recepção, flexibilidade e tradição. Penso que essas três coisas bem misturadas resultam numa sabedoria antropológica indubitavelmente salutar - isto é o que se pode chamar de saúde cultural! (roubo a expresão de Caetano Veloso acerca de Jorge Ben)

Das crônicas que (re)passei o olho, o trecho de um parágrafo me comoveu enormemente:

"Existem dois tipos de heróis: existem aqueles que se tornam heróis porque praticam um ato dramático, trágico ou incisivo de heroísmo num momento particularmente intenso e, desse modo, se consagram e são consagrados, recebem as láureas da fama e as medalhas da glória; mas existem pessoas que diluem o seu heroísmo ao longo da sua vida, na rotina do dia a dia, na capacidade silenciosa para suportar o sofrimento e a renúncia, para impor a sua coragem e obstinação de um modo próprio, coerente. São o que eu chamaria de heróis da rotina. O seu 'defeito' é que possuem uma vocação para a grandiosidade que nem aparece direito, pois a modéstia e a humildade são, igualmente, características suas e impregnam de tal modo os seus atos mais importantes, que chegam a lhes dar a aparência das trivialidades. São pessoas que se parecem, em tudo, em quase tudo, com pessoas comuns (e na verdade são pessoas comuns), porém contêm a fímbria dos fortes, pertencem a uma estirpe superior."
(em "Adeus, suave Raquelzinha")

Qualquer comentário meu do que foi dito acima, tornaria sua interpretação de herói - já tão bem escrita - menor. Esta crônica me alimentou ainda mais o ânimo para a leitura.

Por fim, a capa. De antemão lhe confidencio que não gosto de definições identitárias - acho-as constantemente essencialistas e limitadoras. Mas quando me perguntam o que sou, brinco, tencionando com a verdade, que sou antes de tudo da zona norte de Recife - Encruzilhada, Arruda, Água Fria, o extinto e aqui reverenciado Ponto de Parada... Lembra que foi nesta região, bem perto da fábrica Irmãos Azoubel, que meu pai e sua irmã construíram casa? Vivi nela os meus primeiros dezeseis anos de vida. A fábrica era como se fosse uma extensão do nosso quintal nuclear, eu, meus irmãos e primos, passávamos lá diversas tardes durante a semana. Tanto texto que gasto aqui é para tentar lhe traduzir meu encanto ao ver a foto da capa com o chafariz "menino-mijão sentado no globo" que ficava no jardim da velha fábrica. O mais proustiano (ou seria José Lins?) dos abre-alas, meu tio!

Vou parar por aqui, pois a labuta me chama. Agradeço e parabenizo o senhor pelo trabalho feito com tanto carinho - esse sentimento está explicito em cada pedacinho de papel do livro. Muito me emocionou também ter recebido o envelope que guardava o danado e verificar a procedência ribeirão-pretana, quanto esmero...

Mais uma vez, gratíssimo.

Um comentário:

Anônimo disse...

"Encruzilhada, Arruda, Água Fria..." o melhor de Recife. Cresci com um desses "herois comuns" e como vc. nao pude deixar de me emocionar com o trecho. parabens pelo blog.