quarta-feira, 25 de novembro de 2009

A Ilustrada é nossa!

Na sequência da crítica do novo disco de Otto, a Folha de São Paulo publica hoje matéria e crítica sobre mais um fenômeno musical pernambucano:

João do Morro conquista o Nordeste
THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL

Junte na mesma canção pagode, samba, funk e afoxé. Tempere com letras que retratam pequenos fatos do cotidiano com humor afiado. Bem, assim é João Pereira da Silva Júnior. Aos 32 anos, ele adotou o nome João do Morro e é hoje um dos principais nomes da borbulhante cena de Recife.
João do Morro faz cerca de 20 shows por mês na capital pernambucana, suas apresentações estão documentadas e (bem) visualizadas no YouTube e ele lançará o primeiro disco "oficial" em 14 de dezembro.
"Oficial" entre aspas porque nas carrocinhas que passeiam pelas ruas de Recife vendendo CDs piratas há diversos disquinhos com faixas como "Papa-Frango" e "Frentinha", hits de João do Morro.
"As carrocinhas fizeram com que minhas músicas ficassem conhecidas, que chegassem ao interior de Pernambuco, em Alagoas, Rio Grande do Norte. Por isso não posso ser contra a pirataria", afirma à Folha.
João do Morro não é contra a pirataria e não é contra a internet. Possui conta no Twitter (twitter.com/joaodomorro) e no MySpace (www.myspace.com/joaodomorro), por exemplo. "A internet foi um dos mecanismos que me ajudaram na divulgação."
Mas, claro: o que adianta Twitter, MySpace, carrocinhas, se as músicas não ajudam? As músicas de João do Morro são uma síntese de como ritmos regionais e populares podem ser trabalhados como algo de apelo pop e universal.
"Não consegui definir ainda", diz ele, sobre suas músicas. "É uma fusão entre pagode, samba, afoxé e swingueira. Fiz essa misturada, mas não sei dizer qual é o resultado."
Swingueira? "É um pagode mais suingado, em que fazemos coreografias, passos de dança", explica o cantor.
Um dos principais sucessos de João do Morro, "Papa-Frango" nos apresenta a história de um garoto gay que é sustentado por um homem mais velho.
"A inspiração veio de quadrilhas juninas, muito frequentadas por gays. É algo antigo até."
A música fez com que o cantor fosse acusado de homofobia por associações de Pernambuco. E o que fez João do Morro? Compôs "Frentinha".
"Eu não tenho preconceito/ Se você olhar direito/ Hoje em dia o mundo é gay/ É boyzinho com boyzinho/ E boyzinha com boyzinha/ É todo mundo se beijando/ Se amando, se abraçando", diz a pepita.
João do Morro foi criado no Morro da Conceição (daí o apelido). Pai e irmãos tocavam na Galeria do Ritmo, uma escola de música que desfila no Carnaval pernambucano. Com autorização do pai, desde os 16 anos participa de shows de pagode. E, até pouco tempo atrás, trabalhava como açougueiro.
"Eu achava que ficaria restrito ao pagode e à periferia. Mas hoje faço shows na zona sul de Recife, em boates badaladas [e em festivais como o Rec Beat]. Tanto o cara do morro como o cara que tem uma cobertura em Boa Viagem curtem as músicas, pois as letras falam do dia a dia de forma humorada."
Sobre o que o inspira, João do Morro elenca: "Peguei um pouco de cada coisa. Um pouco da personalidade do Zeca Pagodinho, que faz sucesso mas não perdeu a cabeça. De outras coisas, peguei a postura de palco. O deboche veio com Mamonas Assassinas, Tom Cavalcante. Mas, desde 1992, quando descobri Bob Marley, gosto de reggae. Já fiz uma versão "enrolation" de "No Woman No Cry", porque não falo inglês...".

A arte do fenômeno "cafuçu"
XICO SÁ
COLUNISTA DA FOLHA

Não há mistério algum no samba de João do Morro, caros apanhadores de folclores e exotismos. Nem samba é, na maioria das vezes, é gréia, como se traduz livremente no Recife a arte do chiste, da zorra, da tiração de onda.
A graça da sua fuleiragem social clube é usar nas letras o dicionário mais "cafuçu" possível, o glossário peba, tosco, além do brega sentimental e da simples filosofia popular de consolação do corno -algo tão comum na canção romântica.
No pagode do artista, entra o boyzinho (rapaz) suburbano que recebe mimos e é sustentado pelo frango (gay no Recife). E que fique claro: o ativo, nessa pegada, nunca é considerado homossexual. O "Papa-frango", título da faixa de sucesso, é motivo de chacota pela moral econômica de não bancar sua vida.
Para o ouvinte que não conhece as expressões recifenses, o enredo pode soar um pouco incompreensível na primeira audiência. O show de João é o seu vocabulário, como diz em "As Nêga Endoida", dirigindo-se a quem o chama para animar os bailes.
A crônica sobre a boyzinha (garota) que corre da chuva com medo de estragar a chapinha todo mundo entende. A letra relata o fenômeno de abertura dos salões de beleza nas periferias e rima o estoque inteiro de técnicas e produtos para o cabelo: "Umas passam easy, outras biorene/henê, hairfly, guarnidina e kolene".
Badalado a partir das carrocinhas e "publicicletas", veículos que vendem CDs e DVDs piratas, João do Morro e a banda "Os cara" esticaram seus hits para a internet, via blogs e Myspace etc. "Chupa que é de uva", diz o "cronista da comunidade", como se define, usando a provocação que dá nome a um outro dos tantos sucessos.
Sua origem é o Morro da Conceição, no bairro de Casa Amarela, zona norte, o mais populoso da cidade. Não há segredo no pagode. É a linguagem da "poeira" (povão no dicionário popular do Recife) nas letras e música fácil e sem frescura emepebística. Como diz Fred 04 em um dos seus sambas esquema noise, não tem mistério. Tem não.

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