Li ontem na Folha de São Paulo a crítica do Luiz Felipe Pondé sobre o Gran Torino, último filme do Clint Eastwood. Dela transcrevo a seguinte passagem:
"A cultura contemporânea é vítima da mania de ver a si mesma como agente do 'bem comum' e, neste movimento, acaba por repetir, a exaustão, a ideia de que o homem seja capaz de escapar do destino. Esta posição é presa de uma dedução falsa: (1) sou 'progressista' (otimismo social), logo, (2) tenho coragem. A lengalenga politicamente correta, que só agrada aos amantes de clichês (o 'outro' é bom, os gays são bons, mães solteiras são legais, a democracia é linda, o multiculturalismo é o Éden), estimula a covardia estética. Qual destino? Nas palavras do personagem que Eastwood interpreta em Gran Torino (um carro modelo 1972, grande objeto de desejo no enredo do filme que carrega seu nome): 'o mundo nunca foi justo'. Afirmações como estas normalmente são entendidas, pelos amantes dos 'clichês de presépio', como sendo contra a liberdade humana."
Deslocado do texto na íntegra, o trecho, que é bastante áspero, talvez necessite de algum esclarecimento. O alvo de Pondé é a esquerda cultural que tem como matriz geográfica os EUA com seu multiculturalismo quase doutrinário, chato, cheio de nota de rodapé e que arregimenta pessoas como gado. Dada a informação, também faço coro com o personagem do filme em sua óbvia máxima: o mundo nunca foi justo . Do mais abastado ao mais fodido dos homens, todos sabemos disso.
Para além deste truísmo (que, reitero, concordo), a passagem acima também induz que os preceitos do multiculturalismo ianque descamba no que o autor chama de "covardia estética". Nenhuma lorota. Porém, eis que o dilema cultural surge por trás da moita: e como o mundo considera a "liberdade humana" e a "coragem estética" dos que estão nos grotões esquecidos da civilização pós-industrial e livres (ou na luta por se livrar) do catecismo polido do tal multiculturalismo? (alguém já ouviu falar de folclore? e world music?)
A retórica dos que dão as cartas pode se arvorar inclusive de um ousado pessimismo no future. E a "coragem estética" parece sempre assentar melhor quando vem a bordo de um carrão estiloso...
terça-feira, 31 de março de 2009
Coragem de carrão
quinta-feira, 26 de março de 2009
A arte da guerra
Quando a noite assombra o dia, é preciso lhe retomar a barra da mais luminosa e amolada das auroras. E matar um demônio de cada vez.
domingo, 22 de março de 2009
Montinho de merda - notas dominicais
"O homem verdadeiro sem situação é um montinho qualquer de merda."
Frase do mestre budista Lin-Tsi (China, séc. IX) que caberia na boca de qualquer situacionista soixante-huitard.
terça-feira, 17 de março de 2009
Catando a rede - notinhas de meio de semana
Um tanto esquizofrênicas, pois tratam de assuntos completamente diferentes, seguem abaixo 3 dicas de coisas interessantes que li nos últimos dias nesse mar sem cabelo que é a web:
1) Azeredo ainda azedando - Eleito presidente da Comissão de Relações Internacionais do Senado, no dia 4 de março, o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), a partir de sua nova posição, está pressionando o governo para apoiar a aprovação do seu projeto de criminalização da Internet na Câmara. Mais informações no Blog do Sérgio Amadeu (salve!) que, com grande atraso, ganha link definitivo nesta bodega eletrônica (Estranhos rizomas, na coluna do lado direito da tela).
2) O demônio do meio-dia - Para quem se interessar, passo o link para uma ótima entrevista com a psicanalista Maria Rita Kehl (salve! salve!) sobre depressão. Confiram, vale demais a pena.
3) A luta do Leão - Já faz algum tempo que acompanho o comentarista esportivo Lédio Carmona (mais salves!), cabra sem miopia que enxerga pra além do eixo. E com esta coluna publicada na semana passada, ele se confirma, definitivamente, como um dos maiores do ramo no patropi.
Boas leituras!!!
Quero ser excomungado!
Eis que o movimento "Quero ser excomungado!" começa a ganhar corpo. Ou melhor, os corpos! Os modelos t-shirts que seguem abaixo (clique neles e amplie) foram feitas pelo design e restauranteur Keops Ferraz (que apesar dos predicados, é cafuçu!). Agora só falta um ato público para estreá-las!
domingo, 15 de março de 2009
Única esperança - notas domênicas
"Seria melhor que todos vocês morressem - morressem imediatamente, do que viverem escravos e atrair sua desgraça sobre sua prosperidade. Se quiserem ser livres nesta geração, esta é a sua única esperança."
Henry Highland Garnet, religioso e abolicionista norte-americano
quinta-feira, 12 de março de 2009
Filantropia na Marim dos Caetés
O percussionista e compositor Erasto Vasconcelos está afastado dos palcos por motivo de saúde. Os amigos resolveram então ajudá-lo, promovendo uma festa com arrecadação que lhe será doada. A função será em Olinda nesta sexta. Mais informações no flyer que segue abaixo (clique em cima da imagem que ela amplia):
terça-feira, 10 de março de 2009
Sob o céu que nos protege
Depois de décadas perseguindo o que ainda existe de melhor na igreja católica, o arcebispo Dom José Cardoso resolveu voltar aos noticiários no ano do centenário de Dom Hélder Câmara. E no mesmo velho conhecido santa inquisição style.
Ao se posicionar no caso da menina de 9 anos que engravidou de gêmeos através de um estupro praticado pelo padastro, o religioso excomungou toda a equipe médica que realizou o aborto. Segundo ele, um pecado muito maior que o tresloucado ato do parente. É o mesmo Dom José, o de sempre, oratória da reação de volta as paradas do sucesso. No momento com as costas quentíssimas, incendiadas pela suposta inteligência do papa Bento XVI. Um time dos infernos.
Agora, pós-excomungada, o Dom do Ódio estuda com o Advogado da Arquidiocese, um tal de Márcio Medeiros, a possibilidade de entrar com uma denúncia no Ministério Público Estadual contra todas as pessoas que tiveram algum tipo de envolvimento no aborto. A ideia é denunciá-las por crime de homicídio.
E todos nós estamos envolvidos com esse aborto. Vivemos em um Estado laico, gracias (a Deus, completariam os que acreditam no velho barbudo, com todo respeito). É nosso dever combater a irracionalidade e o fundamentalismo de uma igreja medieval. Prestemos solidariedade a equipe do Centro de Atendimento Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (CISAM), instituição que realizou a interrupção da gravidez, respeitando devidamente o que determina a legislação e as normas técnicas do Ministério da Saúde. Não deixemos que a sociedade seja conduzida pelas forças de um conservadorismo atávico que nada nos soma, condenando homens de bem. Se possível, ganhemos as ruas! Sim, ganhemos as ruas! Sem omissão, tenho certeza que estaremos sob o céu que verdadeiramente nos protege.
Ps.: A Comissão de Cidadania e Reprodução lançou seu apoio aos médicos da CISAM com um abaixo assinado. Para participar, clique aqui.
Ps.2: Corre também na internet a campanha “Eu também quero ser excomungado”. Para aderir a ela, basta mandar um e-mail para arcebispo@arquidioceseolindarecife.org.br e solicitar o desejo...
quarta-feira, 4 de março de 2009
1817 -2009
Por Wagner Sarmento
Esta semana, Pernambuco comemora mais um aniversário da Revolução Constitucionalista de 1817. Por 74 dias, o Estado se desprendeu de Portugal e viveu sob governo provisório, ladeado por uma constituição própria. O sopro emancipacionista, duramente reprimido pela corte lusitana, foi o nascedouro de um sentimento de “pernambucanidade” que ainda hoje retumba.
Ressoa dentro de campo. Pernambuco, na Libertadores, é vermelho e preto. É orgulho, força e fé. É história, tradição e resistência. É luta, entrega e suor. É Sport.
No aniversário da revolução, Pernambuco ganhou de presente a vitória rubro-negra. O exército do Leão fez valer o mando de campo e não deu chance à LDU de Quito. Na Ilha do Retiro, o Sport dita as regras. E, na constituição rubro-negra, visitante não tem vez. Nem mesmo o atual campeão do torneio foi páreo para os rubro-negros. O placar de 2 a 0 coloca o Leão como líder isolado do grupo, com seis pontos em dois jogos e 100% de aproveitamento.
Logo no começo do duelo, o volante Daniel Paulista, de voleio, abriu o placar. O adversário tentou reagir. Mas parou na implacável marcação pernambucana. O volante Hamílton fez o craque Manso fazer jus ao nome. Manso, quase inofensivo, o argentino pouco criou e o time equatoriano padeceu. Os maiores sustos eram as bolas paradas.
A Ilha não estava lotada, mas tremeu. E fez tremer. Encorajados por 20 mil bravos rubro-negros, os guerreiros leoninos foram avante. Paulo Baier foi parado com falta dentro da área pelo goleiro Cevallos. O próprio camisa 10 cobrou o pênalti e, aos 30 minutos da segunda etapa, decretou o triunfo brasileiro.
O que faltou ao Palmeiras sobra ao Sport: maturidade, consistência defensiva. O que sempre falta ao São Paulo de Muricy Ramalho em começo de temporada sobra ao Leão: identidade, padrão de jogo. E não falta alma ao Sport.
Pernambuco das revoltas libertárias, da Guerra dos Mascates, da Revolução dos Padres, da Confederação do Equador, de Frei Caneca. Pernambuco do Sport. Na batalha das Américas, o Leão é mais que um time. É uma pátria ávida por revolução.
segunda-feira, 2 de março de 2009
Contra o relativismo
Definitivamente, o mundo não é um lugar para os bonzinhos. Mas é um lugar de lugares. E estes continuam sendo os mesmos: o dos incluídos e o dos excluídos da farra global. O texto abaixo - publicado hoje na Folha de São Paulo - nada altera a ordem das coisas. Apenas faxina as falsas generosidades. Tudo está no seu lugar, mas, para alguns, não seria o caso de dizer graças a deus...
Blablablá
Por Luiz Felipe Pondé
O QUE você faria se estivesse a ponto de assistir a um ritual de antropofagia? Interromperia (sem risco para você)? Ou deixaria acontecer em nome do relativismo cultural (essa ideia que afirma que cada um é cada um, que as culturas devem ser respeitadas em sua individualidade e que não podemos compará-las)?
No primeiro caso, você seria um horroroso descendente dos "jesuítas"; no segundo você seria um relativista chique. Sempre suspeitei que esse papo relativista fosse blablablá. Funciona bem em aula de antropologia, em bares, em parques temáticos e lojas de curiosidades. É evidente que "jesuítas" de todos os tipos fizeram horrores nas Américas. Todo adulto bem educado sabe que é feio condenar cultos à lua ou à chuva. Mas há algo no relativismo cultural que me soa conversa fiada: o relativismo cultural morre na praia quando você é obrigado a conviver com o Outro. E o "Outro" nem sempre é legal.
Se você aceita a antropofagia em nome do respeito à "cultura", aceita implicitamente a ideia de que o valor da vida humana seja subordinado à "cultura". A vida humana não tem valor em si. Todo estudante de antropologia sabe recitar esse credo. Quando confrontado com dilemas como esse, o relativista diz que se trata de uma situação meramente hipotética (hoje não existe mais antropofagia). Mas a verdade é que quando o relativista diz que a antropofagia é hoje quase nula, e, portanto, esse dilema não tem "validade científica", está literalmente correndo do pau porque "alguém" acabou com a antropofagia, não? Por que a antropofagia "acabou"?
Algumas hipóteses: 1) os antropófagos foram mortos por gripes ou em batalhas; 2) foram convertidos pelos horrorosos "jesuítas" e seus descendentes; 3) descobriram formas mais fáceis de comer e rituais que deixam as pessoas (isto é, os Outros) menos irritadas e com menos nojo. É importante conhecer o "lugar" da antropofagia nas religiões dos canibais, mas isso é apenas um "dado" antropológico. Uma descrição de hábitos (ruins). Mas o relativista tem que correr do pau mesmo, porque seu credo funciona bem apenas nas conversas de salão. A vida é sempre pior do que as festas. Relativistas culturais são, no fundo, puritanos disfarçados, gostam de "aquários humanos".
Os seres humanos são culturalmente promíscuos, e "a cultura" sem promiscuidade (trocas, misturas, confusões) só existe nos livros. Use internet, televisão, celulares, aviões e estradas, faça sexo ou guerra, e o papo do relativismo cultural vira piada. Na realidade, as pessoas lançam mão do argumento relativista somente quando lhes interessa defender a "tribo" com a qual ganha dinheiro e fama. O problema com o debate sobre os índios (ou qualquer outra cultura considerada "coitada") é a mitologia que ela provoca. Se, de um lado, alguns falaram dos índios (erradamente) como inferiores, bárbaros ou inúteis, por outro lado, os que "defendem" os índios normalmente caem no mito oposto: eles são legais e só querem viver "sua cultura", e eles não são "capitalistas" como nós, e blablablá. Índios gostam de poder como todo mundo, vide os índios "conscientes de seus direitos" devorando computadores, celulares e internet no Fórum Social, em Belém -ou ficam na idade da pedra mesmo e precisam que o Estado os defenda do mundo.
As culturas mais bem-sucedidas são predadoras e seduzem as mais fracas (ser mais bem-sucedida não implica ser legal). Por que levar medicina científica (invenção dos "opressores") para as aldeias? Não seria contaminação "cultural"? Vamos ou não brincar de "curandeiros"? Que tal abraçar árvores? Se você é católico e quer ser fiel aos seus princípios, você é um retrógrado; se você quer viver no meio da selva (com direitos adquiridos porque você é de uma cultura "coitada"), você é apenas uma tribo com direito a integridade cultural. O conceito de cultura é quase um fetiche do mercado das ciências humanas. Não que não existam culturas, mas o conceito na sua inércia preguiçosa só funciona no laboratório morto da sala de aula ou do museu. A vida se dá de forma muito mais violenta, se misturando, se devorando.
Nada disso é "contra" os índios, mas sim contra o relativismo como ética festiva. O oposto dele não é o obscurantismo, mas a dinâmica da vida real. O relativismo é um (velho) problema filosófico e um "dado" antropológico. Um drama, e não uma solução.