domingo, 28 de setembro de 2008

Tecelões do véu da mentira - notas dominicais

"A atitude do crítico da cultura lhe permite, graças à sua diferença em relação ao caos predominante, ultrapassá-lo teoricamente, embora com bastante frequência ele apenas recaia na desordem. Mas o crítico da cultura incorpora a diferença no aparato cultural que gostaria de suplantar, aparato que precisa, ele mesmo, dessa diferença para poder se apresentar como cultura. É próprio da pretensão da cultura à distinção, por meio da qual ela procura se dispensar da prova das condições materiais de vida, nunca se julgar distinta o suficiente. O exagero da presunção cultural, que por sua vez é imanente ao próprio movimento do espírito, aumenta a distância em relação a essas condições à medida que a dignidade da sublimação, confrontada com a possibilidade de satisfação material ou ameaça de aniquilação de incontáveis seres humanos, torna-se questionável. O crítico da cultura faz dessa pretensão aristocrática um privilégio seu, perdendo sua legitimação ao cooperar com a cultura como um flagelo honrado e bem-pago. Isso afeta, no entanto, o teor da crítica. Mesmo o implacável rigor com que esta enuncia a verdade sobre a consciência não-verdadeira permanece confinado na órbita do que é combatido, fixado em suas manifestações. Quem se proclama superior sente-se ao mesmo tempo como sendo do ramo. Se alguém estudasse a profissão de crítico na sociedade burguesa, que avançou finalmente até a posição de crítico cultural, encontraria certamente em sua origem um elemento usurpador, como aquele que Balzac, por exemplo, ainda podia observar. Os críticos profissionais eram, sobretudo, "informantes": orientavam sobre o mercado dos produtos espirituais. Alcançavam ocasionalmente com isso uma visão mais profunda da questão, permanecendo, contudo, sempre também como agentes do comércio, em consonância, se não com seus produtos individuais, com a esfera do comércio enquanto tal. Eles trazem as marcas disso, mesmo que tenham abandonado o papel de agente. Que lhes tenha sido confiado o papel de perito, e depois o de juiz, foi algo inevitável do ponto de vista econômico, embora acidental no que diz respeito a suas qualificações objetivas. A agilidade que lhes proporcionava posições privilegiadas no jogo da concorrência – privilegiadas porque o destino do que era julgado dependia em grande parte de seu voto - conferia aos seus julgamentos a ilusão de competência. Ocupando habilmente as lacunas e adquirindo, com a expansão da imprensa, uma maior influência, os críticos acabaram alcançando exatamente aquela autoridade que a sua profissão pretensamente já pressupunha. Sua arrogância provém do fato de que, nas formas da sociedade concorrencial, onde todo ser é meramente um ser para outro, até mesmo o próprio crítico passa a ser medido apenas segundo seu êxito no mercado, ou seja, na medida em que ele exerce a crítica. O conhecimento efetivo dos temas não era primordial, mas sempre um produto secundário, e quanto mais falta ao crítico esse conhecimento, tanto mais essa carência passa a ser cuidadosamente substituída pelo eruditismo e pelo conformismo. Quando os críticos finalmente não entendem mais nada do que julgam em sua arena, a da arte, e deixam-se rebaixar com prazer ao papel de propagandistas ou censores, consuma-se neles a antiga falta de caráter do ofício. As prerrogativas da informação e da posição permitem que eles expressem sua opinião como se fosse a própria objetividade. Mas ela é unicamente a objetividade do espírito dominante. Os críticos da cultura ajudam a tecer o véu."
(Theodor Adorno no ensaio "Crítica cultural e sociedade")

2 comentários:

Anônimo disse...

Betinho nego, de Adorno em adorno, feliz ano-novo para vc. Como foi o concurso na UFF?
beijos duda e lila

Doutor Estranho disse...

dudinha, querido, levei fumo lá em rio das ostras. mas tô acostumando... ;) beijo nos dois!