quinta-feira, 1 de abril de 2010

33 anos de cruz!

Já que a sexta-santa bate na porta, o Dr. E. presta uma honrosa homenagem ao maior e mais experiente - são 33 anos de cruz, é o fraco! - cover de Cristo de todos os tempos e republica uma antiga crônica d'O Carapuceiro, escrita pelo seu devoto e não menos talentoso Xico Sá:



Cristo pregado, e as formigas judiando 05-abril-2004
No início era Zé Pimentel, o Jesus oficial e vitalício do coração do povo pernambucano... Ele reinou até o período a.CC, antes dos Cristos de Caras.
Por Xico Sá

Que Jesus de Mel Gilbson que nada, que Je vous salue Marie que nada, Franco Zefirelli também num pegava uma letra. O clássico dos clássicos mesmo é José Pimentel, que fazia o Jesus de Nova Jerusalém a.C.C. (antes dos Cristos de Caras). Preterido pelos Cristos de novela, mudou-se de mala e cuia para o estádio Arruda, onde continua a levar no lombo durante a Semana Santa.
Professor de-não-sei-o-quê deste escriba, na várzea da UFPE, ele contava que o pior momento do drama, o mais bíblico, o mais sofrido, era quando as formigas de Fazenda Nova se assanhavam e procuravam abrigo nos seus zovos justamente na hora em que o filho do Homem estava todo pregado na cruz. Pense num desconforto! Formiga de roça, das ruivas e das pretas, daquelas que não se deixam vencer nem mesmo pelo mais potente dos formicidas. Daquelas formigas de fábulas, cheias de moral, umas chatas. Todas alojadas nos bagos do velho Pimentel. Isso é o que se chamava antigamente de distanciamento brechtiano, me ensinou certa vez o velho e bom Cadengue.
Hoje o mauricinho de Jerusalém tem vida fácil. É só ajustar a peruca (aplique, sabe-se lá) e oferecer a outra face... Além de não ter a frevioca escrotal do formigueiro, Maria é sempre uma gostosa da Globo, Judas é argentino de piada, claro, e Madalena é nada mais nada menos do que Luana Piovani. Galeeeega... Assim é trabalho fácil, melhor do que achar dinheiro em calçada alta –num precisa nem gastar as juntas para se abaixar. Uma moleza. Que drama que nada. É a verdadeira farsa da Boa Preguiça. E quando o Cristo começa a pagar os pecados, as taradas ainda se assanham: “Lindo, lindo, lindo!” “Gostoso, gostoso, gostoso!”. Umas moças velhas dos caritós sertanejos e agrestes, viúvas virgens de Zé Pimentel, correm doidas do juízo. É preciso amarrá-las e conduzi-las ao manicômio de Inocêncio, lá para as bandas de Serra Talhada.
Quem fica hospedado na Pousada da Paixão, do esquema do filho do Homem, vira automaticamente figurante privilegiado da peça. É Paixão de Cristo com abadá, como o carnaval da Bahia. Tem direito a ver as chagas de Cristo bem de pertinho. Se der sorte sobra até um daqueles pregos para bater, uma chicotada para dar, um cascudo, uma dedada, um beliscão de uma donzela empedernida...
Vida fácil a desses Cristos de Caras!


Boa Páscoa a todos!

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