quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

No mesmo barco - mensagem de ano novo do blog


"Era um peixe pequeno, um peixinho, com o comprimento de meio dedo, com escamas prateadas e nadadeiras delicadas, branquiadas, espelhadas e trêmulas. Um olho de peixe redondo e arregalado ao máximo mirou os dois por um instante como se sugerisse a Maia e Mati que todos nós, todos os seres vivos sobre este planeta, pessoas e animais, aves, répteis, larvas e peixes, na realidade todos nós estamos bem próximos uns dos outros, apesar de todas as muitas diferenças entre nós: pois quase todos nós temos olhos para ver formas, movimentos e cores, e quase todos nós ouvimos vozes e ecos, ou pelo menos sentimos a passagem da luz e da escuridão através da nossa pele. E todos nós captamos e classificamos, sem parar, cheiros, gostos e sensações.
Isso e mais: todos nós sem exceção nos assustamos às vezes e até ficamos apavorados, e às vezes todos ficamos cansados, ou com fome, e cada um de nós gosta de certas coisas e detesta outras, que nos inspiram temor ou aversão. Além disso, todos nós sem exceção somos sensíveis ao extremo. E todos nós, pessoas répteis insetos e peixes, todos nós dormimos e acordamos e de novo dormimos e acordamos, todos nós nos empenhamos muito para que fique tudo bem para nós, não muito quente nem frio, todos nós sem exceção tentamos a maior parte do tempo nos preservar e nos guardar de tudo o que corta, morde e fura. Pois cada um de nós pode ser amassado com facilidade. E todos nós, pássaro e minhoca, gato menino e lobo, todos nós nos esforçamos a maior parte do tempo em tomar o máximo de cuidado possível contra a dor e o perigo, e apesar disso nós nos arriscamos muito sempre que saímos para correr atrás de comida, atrás de uma brincadeira e também atrás de aventuras emocionantes.
E assim, disse Maia depois de refletir sobre esse pensamento, e assim no fundo é possível dizer que todos nós sem exceção estamos no mesmo barco: não apenas todas as crianças, não apenas toda a aldeia, não apenas todas as pessoas, mas todos os seres vivos. Todos nós. E ainda não sei bem dizer se plantas são um pouco nossos parentes distantes.
Logo, disse Mati, quem debocha dos outros passageiros na realidade é um bobo que está no mesmo barco. E não existe aqui nenhum outro barco."

Amós Oz em De repente, nas profundezas do bosque - trecho que acabei de ler nesse instantinho... Um ótimo ano novo para todos!

domingo, 21 de dezembro de 2008

Aditivado - notas domênicas

"Urubu come carniça
E voa."
Miró, poeta do Recife (epígrafe roubada de Rasif, novo livro de contos de Marcelino Freire)

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Primeiro parágrafo de estação

Como ocorreu no verão passado, escrever tem sido difícil na vila maurícia. Desta vez a tecnologia tem até ajudado com banda larga, boa máquina, tous que'il faut, como dizem os mais finos. Mas peço perdão pela ausência e confidencio. O problema talvez esteja no vento oceânico que invade o lar materno onde estou hospedado: décimo sexto andar no Rosarinho, um dos bairros portais para a zona norte da cidade - daqui enxerga-se o Atlântico, o porto e seus gigantes de ferro revezarem-se no cais. "Mas, como assim?" Perguntaria com toda legitimidade o leitor mais curioso e preciso. É que antes de alcançar o mar, minha vista atinge, em primeiro plano, o cruzamento da rua João de Barros com a avenida Norte. Uma encruzilhada que fez parte de minha infância, caminho do colégio, tanto quanto o estalar do galo de campina de meu pai e o jingle do programa "Manhã da Saudade" - para ficar apenas nas lembranças das primeiras horas do dia de minha pequena África da década de setenta. Mirá-la lambido por tal brisa, esmorece-me juízo e miocárdio. Eis a razão. A esta altura e comoção, falta-me um paraquedas em mi corazón (além da rima ruim, imaginar Wander Wildner como um precavido, era só o que me faltava!). Então suicido minha escrita. Ok, exagerei, peço-lhe clinche. Sou vencido pelas reminiscências de minha geografia sentimental. Mais uma vez, perdão. Entrego meus pontos ao vento-cruzamento, ao amor pelo Recife...



Volto quando me recompor.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

À Fundação Bienal de São Paulo e ao Ministério Público do Estado de São Paulo

Repasso um abaixo assinado criado por um amigo:
No dia da abertura da 28ª Bienal de Artes de São Paulo, 40 pichadores entraram no Pavilhão e "atacaram" com seu design gráfico todo particular o segundo andar o prédio, o local que estava o chamado "vazio" proposto pela curadoria que consistia de paredes e pilastras brancas. Na ocasião, a pichadora Caroline Piveta Mota foi a única detida sob a alegação de depredar o patrimônio público. Acusada de se associar a "milicianos" para "destruir as dependências do prédio", a jovem continua presa.
O que nós, agentes culturais, estranhamos é que existe um paradoxo nesse caso, pois se trata de patrimônio público, mas também de uma mostra de arte contemporânea, local propício para esse tipo de manifestação desde o começo do século 20.
Como escreveu o professor e artista Artur Matuck: "As paredes foram pichadas e repintadas e a mostra não foi prejudicada. Independente da discussao estética, se a pichaçao é ou não arte, se se justifica ou não, a atuação deste grupo ao invadir o prédio da Bienal com um grupo de pichadores, foi também um ato expressivo, foi inequivocamente uma manifestaçao cultural. [...] Uma discussão ampla e bem informada sobre o fenômeno cultural da pichaçao é relevante desde que na medida em que não é validado enquanto expressao artistica pode ser considerado como vandalismo e justificar repressão".
Repressão essa que faz Caroline estar presa até hoje e ainda pegar uma pena de 3 anos.
Por isso pedimos: LIBERTEM A PICHADORA CAROLINE PIVETA DA MOTA!

Para assinar, clique aqui!

domingo, 7 de dezembro de 2008

Questão de propaganda - notas dominicais

"É doloroso verificar que encontramos erros semelhantes em duas escolas opostas: a escola burguesa e a escola socialista. Moralizemos! Moralizemos! exclamam ambas com uma febre de missionários. Naturalmente, uma prega a moral burguesa e a outra a moral socialista. Desde então a arte não é mais do que uma questão de propaganda."
(Charles Baudelaire em Les drames et les romans honnêtes)

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

É cumbia!


Volver a Recife...
Bom final de semana!

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

E de que lado você samba?

Em minha atual odisséia livresca, hoje me deparei com esta que é das maiores questões do pensamento ocidental, senão a maior. Um verdadeiro Fla x Flu do juízo, que revela interpretações de vidas, que divide nossos combalidos espíritos nos binômios idealista/materialista, direita/esquerda, arte/cultura e tantos outros pares existenciais/conceituais. Tava lá no velho livro Teoria da Literatura do crítico Rene Wellek, na forma do problema estético:

"Em certo sentido, poder-se-ia dizer que o problema, no campo da estética, se situa entre a concepção que afirma a existência de uma 'experiência estética' isolada, irredutível (reino autônomo da arte), e a concepção das artes como instrumentos da ciência e da sociedade, que nega a existência de um tertium quid como 'valor estético'."

Para os simpatizantes da primeira concepção, da arte pela arte, trago um ótimo trecho que encontrei por esses dias do poeta francês Théophile Gautier (influenciou um tal de Baudelaire), que no seu romance Mademoiselle de Maupin escreveu:

"Não há verdadeiramente belo senão o que não pode servir para nada; tudo o que é útil é feio, porque é a expressão de qualquer necessidade, e as necessidades do homem são ignóbeis. - O local mais útil de uma casa, são as latrinas."

Aos devotos da segunda, ofereço a fina ironia de Terry Eagleton, botando a literatura na berlinda no seu Teoria da Literatura: uma introdução:

"A literatura foi, sob vários aspectos, um candidato bem adequado a essa empresa ideológica (a de substituir a religião na passagem da sociedade feudal para a moderna-capitalista). Como atividade liberal, 'humanizadora', podia proporcionar um antídoto poderoso ao excesso religioso e ao extremismo ideológico. Como a literatura, tal como a conhecemos, trata de valores humanos universais e não de trivialidades históricas como as guerras civis, a opressão das mulheres ou a exploração das classes camponesas inglesas, poderia servir para colocar numa perspectiva cósmica as pequenas exigências dos trabalhadores por condições decentes de vida ou por um maior controle de suas próprias vidas; com alguma sorte, poderia até mesmo levá-los a esquecer tais questões, numa contemplação elevada das verdades e das belezas eternas."


E então, de que lado você samba?

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Convite


Lançamento do livro Leituras sobre música popular: reflexões sobre sonoridades e cultura no Rio nessa próxima sexta, dia 05/12. Todas as informações na imagem-convite (amplia clicando em cima). Apareçam!!!
(Ps.: Escrevi um dos artigos do livro. Quem não quiser comprá-lo, mas quiser ter acesso ao meu texto, ele tá disponível - com umas poucas modificações - na seção Outros textos estranhos, lado direito da tela deste blog.)