quinta-feira, 8 de maio de 2008

A cárie da fome universal

No ano de 1950, Oswald de Andrade, já então professor concursado da cadeira de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia da USP, andava com a idéia de prestar um outro concurso na mesma instituição, desta vez para a cadeira de Filosofia. Tal iniciativa, no entanto, era desencorajada pelo amigo e também colega de trabalho (ninguém nada menos que) Antônio Cândido, que alegava ser o processo uma situação muito técnica, para a qual o homem da antropofagia não estaria preparado e que isso poderia comprometê-lo inultilmente (o próprio Cândido admitiu que na época não entendia que um grande talento poderia valer muito mais do que toneladas de professores "tecnicamente preparados"). Oswald protestava, dizendo que a Universidade precisava se abrir, que era um direito dele, coisa e tals. A peleja terminou gerando o seguinte diálogo:

- Mas você não tem cultura filosófica organizada. Imagine se na defesa da tese Fulano (um examinador potencial, famoso pela truculência) faz perguntas em terminologia que você não domina - argumentava Cândido.
- Dê um exemplo - retrucava Oswald.
- Não sei. Não entendo disto; mas anda por aí um vocabulário tão arrevezado de "ser-no-outro", "por-si", "orifício existencial" e não sei mais o quê...
- Mas dê um exemplo - insistiu.
- Bem, só para ilustrar: se ele pergunta pernosticamente: "Diga-me V.S. qual é a impostação hodierna da problemática ontológica?"
- Eu respondo: "V.Excia. está muito atrasado. Em nossa era de devoração universal o problema não é ontológico, é odontológico!"

(Diálogo retirado e adaptado do artigo "Digressão sentimental sobre Oswald de Andrade", que está no livro Vários escritos de Antônio Cândido)

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