sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Batendo o centro do ano

Sim caros leitores, o primeiro post do ano. Uma croniqueta futebolística. Ainda não deste doutor que agora vos assombra com sumiços e aparições esporádicas e que anda de férias com o vernáculo...
E se não escrevo, que escrevam sobre mim, ora pois! Eis um texto para desvendar-me! Brodagens tantas nas folhas de hoje do paulistano jornal dos Otávios Frias... Boa leitura!

ps.: mais uma promessa: como o próximo post é o centésimo desta bodega eletrônica, prometo regularidade, claro, e novidades!

Um homem sem futebol
Por XICO SÁ

AMIGO TORCEDOR , amigo secador, estava aqui com um grupo de chegados, numa simpática taberna do Recife, discutindo os rumos da humanidade, quando um dos nossos cavaleiros da mesa redonda solta o berro: "Golaço!!!".
Você não está entendendo, amigo, não foi um berro qualquer, um grito familiar, nem tampouco um humaníssimo manifesto de rotina do bicho homem. Foi daqueles brados retumbantes, guturais, que irrompem do estômago dos monstros do trash metal e das cavernas do Medievo. De repente aquela tarde à João Gilberto, com barquinhos à bossa nova ao longe, é tomada pelo Iron Maiden e todos os zumbis do outro mundo.
É isso o que o ingrato recesso do futebol causa em nós, marmanjos doentes, eternos Peter Pans ludopédicos. É isso, um simples gol de pelada na praia do Pina, nos contornos de Brasília Teimosa, vira comoção, o ritual mais primitivo do coração das trevas. O pior é que só o amigo Roberto Azoubel, o dono do grito, viu o golaço. Só o "doctor estranho", sua nova alcunha, solitariamente testemunhou o épico. Para nosso desgosto, óbvio. Só nos restou, naquele momento solene, roer as unhas da inveja em busca de um replay impossível, um videoteipe imaginário.
O "golaço" incendiou a fantástica usina de fabulações que é a mente humana privada dos grandes embates. Tivemos de nos contentar com a narrativa da testemunha, que deu conta de uma tabela na canela do rival e um toque sutil por debaixo do último beque que guardava a trave portátil. A bola passou rente ao latifúndio dorsal do zagueiro e foi conduzida caprichosamente, com ajuda de vento e maré, ao fundo do filó. Daí o grito, salivado de testosterona e jejum futebolístico: "Golaço!!!".
Jô, a costela amada da testemunha, teve um susto só comparado à primeira vez que viu "Psicose"; Lirioboy passou a chamar o artilheiro do Pina de Roberto Coração de Leão, grande ídolo do seu Sport Recife; DJ Dolores, entretido com uma "boyzinha" à milanesa-cafuçu, típica modelo das fotos de Bárbara Wagner, também não viu a pintura, mas assinou embaixo. Esse intervalo quase sem futebol, amigo, deixa mesmo os homens sem noção, lesados no paraíso, Adões entregues às vontades pecaminosas e bestiais.
Por ventura e sorte, este cronista acabara de chegar de Juazeiro, onde teve a felicidade de ver a Copa Integração, o que garantiu o sagrado fornecimento de ópio aos torcedores até a véspera do último dia do ano. O torneio reuniu times dos sertões de Ceará, Pernambuco, Piauí e Paraíba.
O Icasa, o verdão da Meca do Cariri, sagrou-se campeão no derby com o rubro-negro Guarani, o Leão do Mercado. No domingo, repetem a peleja, valendo pelo Cearense-2008.
E aos poucos teremos os Estaduais de volta, alvíssaras, porque os embates da aldeia são os mais universais. Porque um homem sem futebol retorna à condição de bárbaro, é ameaça aos contratos sociais, é capaz de atos de um Jack, de um Chico Picadinho, de um Bandido da Luz Vermelha, de um Monstro da Madalena, de um Maníaco do Parque.
Que a terra nos seja leve em 2008 e que gire em torno do sol como na primeira visão de Copérnico, tal e qual a bola manhosa que cisca e se enrosca, carinhosamente, no fundo de uma rede de várzea.

Nenhum comentário: