"A aplicação de números a pessoas e à vida cultural era um tabu até a aparição da primeira pesquisa sobre as práticas culturais dos franceses, no início dos anos 70. Dois movimentos levaram a isso. O primeiro refere-se à reflexão sobre a 'esfera do lazer' associada à preocupação com o desenvolvimento cultural (redundando no paradigma da democratização cultural), iniciada durante a Segunda Guerra e que cresceu sensivelmente nos anos 50 e 60. A partir desta premissa, que na França descentralizou-se em direção ao interior e aos subúrbios, o governo passou a subvencionar de forma intensa e desenvolveram-se as relações públicas das diversas instituições, para se alcançar o público popular tão desejado. Porém, a democratização da cultura repousava sobre dois postulados implícitos: só a cultura erudita merecia ser difundida; e bastaria o encontro entre o público - considerado de forma indiferenciada - e a obra para que houvesse uma adesão. Ou seja, isso foi feito sem serem considerados o contexto sociológico e as barreiras simbólicas que envolvem as práticas de natureza artística e cultural. Esperava-se que, por meio de uma ação enérgica, 'democrática' e tão bem engendrada, o acesso desse público estaria garantido. Entretanto, o problema maior aqui foi o desconhecimento do que é realmente uma população, de suas aspirações, de suas necessidades reais, de suas motivações. Na verdade, tinha-se um populismo paternalista que acreditava poder despejar sobre o povo os grandes feitos da cultura erudita, desde que se encontrasse uma pedagogia adequada. A prática redundou numa falsa democratização, pois baseava-se na crença da aptidão natural do ser humano em reconhecer de imediato 'o belo' e 'a verdade', apenas pela possibilidade de ter acesso às instituições da cultura erudita. Se, apesar da elevação dos níveis de escolaridade, menos pessoas vão aos museus ou aos teatros - as pesquisas posteriores demonstraram -, seria necessário descobrir-se o porquê e não simplesmente concluir que isso devia-se provavelmente ao fato de estas instituições não estarem sabendo fazer o seu trabalho."(...)
(...)"Hoje, parece claro que a democratização cultural não é induzir os 100% da população a fazerem determinadas coisas, mas sim oferecer a todos - colocando os meios à disposição - a possibilidade de escolher entre gostar ou não de algumas delas, o que é chamado de democracia cultural. Como já mencionado, isso exige uma mudança de foco fundamental, ou seja, não se trata de colocar a cultura (que cultura?) ao alcance de todos, mas de fazer com que todos os grupos possam viver sua própria cultura. A tomada de consciência dessa realidade deve ser uma das bases da elaboração de políticas culturais, pois o público é o conjunto de públicos diferentes: o das cidades é diferente do rural, os jovens são diferentes dos adultos, assim por diante, e esta diversidade de públicos exige uma pluralidade cultural que ofereça aos indivíduos possibilidades de escolha. A idéia da democratização da cultura repousa sobre dois postulados implícitos: só a cultura erudita merece ser difundida; e basta que haja o encontro entre a obra e o público (indiferenciado) para que haja desenvolvimento cultural. Duas conseqüências advêm daí: prioridade dada aos profissionais e descentralização de grandes equipamentos (como criação de centros culturais). Pelas razões apontadas anteriormente, sabe-se que isso não resolve. A cultura erudita é apenas uma entre tantas outras, embora dominante no plano oficial por razões históricas e pelos valores que agrega. Avançar na consideração do que está implicado nesta pluralidade é retomar as distinções já feitas neste artigo, que defende uma política pública articulada que contemple as várias dimensões da vida cultural sem preconceitos elitistas ou populistas."
(Isaura Botelho no artigo Dimensões da cultura e políticas públicas - na íntegra aqui)
domingo, 7 de março de 2010
Democratização cultural - notas domênicas
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Um comentário:
E me lembrou o debate que estava rolando sobre o "controle da midia"
Tb me lembrou a Elenita, no seu blog, reclamando de ter cedido à cultura popular, ao ter participado do BBB, e de ter sido altamente criticada pela academia.
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