segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Ocupação Chico Science e o cosmopolitismo do pobre

Semana passada foi inaugurada em São Paulo a Ocupação Chico Science, exposição promovida pelo Itaú Cultural. Quinze anos após ao Da lama ao caos, o Mangue volta a ganhar as páginas dos cadernos culturais dos jornais brasileiros. Mas enfim, hoje, início da segunda década do século XXI, o que de mais importante nos foi deixado pela última movimentação cultural do país?
Numa matéria sobre a referida exposição, publicada na última sexta (05/02/10) no Diário de Pernambuco, o roteirista e diretor Hilton Lacerda responde a essa pergunta com a luz que lhe é peculiar:
"O mangue bit ganhou chancela de batida. Sua dimensão alimentou discussões apaixonadas. Alguns ficaram pelo caminho, mas o movimento continuou a influenciar uma gama de acontecimentos culturais que reverberam até hoje - seja por concordância, seja por afirmar sua superação. Mas o que realmente é importante aí? Para mim, foi o canal aberto na periferia: o alto falante que, a partir de uma possibilidade, levou ares desse cosmopolitismo de pobre para o mundo".

Sem mais...

*********************

...Com mais:

Para maiores esclarecimentos (por que não perco essa mania pedagógica?), cosmopolitismo do pobre é um conceito que foi desenvolvido pelo crítico e escritor Silviano Santiago num artigo homônimo publicado em livro também homônimo. Mas afinal, do que trata essa expressão? Com a palavra, euzinho mesmo:

"No artigo intitulado 'O cosmopolitismo do pobre', o crítico Silviano Santiago analisa duas formas de multiculturalismo que se instituiu no Brasil ao longo de sua história. A primeira tem origem mais antiga, baseada na idéia de estado-nação e que, resumidamente, foi uma construção 'de homens brancos para que todos, indistintamente, sejam disciplinarmente europeizados como eles' (no texto, o autor cita alguns dos seus importantes representantes na cultura brasileira como José de Alencar, Aluísio Azevedo, Gilberto Freyre, Jorge Amado, entre outros). A segunda, de acordo com Santiago, é uma forma recente e que ainda vem se firmando através do pleito de dois pontos basicamente: dar conta da afluência dos migrantes pobres (na maioria ex-camponeses) nas megalópoles pós-modernas; e resgatar grupos étnicos e sociais, economicamente prejudicados durante a vigência (e, em boa parte, decorrente das ações) do primeiro multiculturalismo. Sobre o processo de passagem de uma forma para outra, o autor comenta:

'Ao perder a condição utópica de nação – imaginada apenas pela sua elite intelectual, política e empresarial, repitamos – o estado nacional passa a exigir uma reconfiguração cosmopolita, que contemple tanto os seus novos moradores quanto os seus velhos habitantes marginalizados pelo processo histórico. Ao ser reconfigurado pragmaticamente pelos atuais economistas e políticos, para que se adéqüe as determinações do fluxo do capital transnacional, que operacionaliza as diversas economias de mercado em confronto no palco do mundo, a cultura nacional estaria (ou deve estar) ganhando uma nova reconfiguração que, por sua vez, levaria (ou está levando) os atores culturais pobres a se manifestarem por uma atitude cosmopolita, até então inédita em termos de grupos carentes e marginalizados em países periféricos.'

Distante de um ideário patriótico e gerado numa época de economia de mercado transnacional, podemos considerar aqui que este novo multiculturalismo no país também é um desdobramento das mudanças trazidas pela globalização com seu enfraquecimento do estado-nação e com seu aumento de trocas culturais – tanto
através da vida cotidiana concreta (migrações, viagens etc.) como pela ampliação das referidas redes comunicacionais (as mídias, as universidades, os museus e várias outras instituições). Em outras palavras, o multiculturalismo brasileiro atual é um fenômeno que vem ocorrendo atrelado ao caráter transcultural do mundo contemporâneo. É ele que instaura, conforme a expressão de Santiago, o nosso 'cosmopolitismo do pobre'."
(In: A reinvenção do Nordeste nas crônicas d' O Carapuceiro)

Nenhum comentário: