sexta-feira, 24 de abril de 2009

Imaginação e realidade

Por estes dias me caiu nas mãos A Literatura em Perigo (capa ao lado), o mais recente livro do historiador e ensaísta búlgaro (radicado na França desde 1963) Tzvetan Todorov. O trabalho é bem curtinho - menos de 100 páginas - e trata da relação do autor com a literatura e do ensino desta no mundo contemporâneo. Ao começar a lê-lo, logo na página 23, encontrei a seguinte passagem:



“Hoje, se me pergunto por que amo a literatura, a resposta que me vem espontaneamente à cabeça é: porque ela me ajuda a viver. Não é mais o caso de pedir a ela, como ocorreria na adolescência, que me preservasse das feridas que eu poderia sofrer nos encontros com pessoas reais; em lugar de excluir as experiências vividas, ela me faz descobrir mundos que se colocam em continuidade com essas experiências e me permite melhor compreendê-las. Não creio ser o único a vê-la assim. Mais densa e mais eloqüente que a vida cotidiana, mas não radicalmente diferente, a literatura amplia o nosso universo, incita-nos a imaginar outras maneiras de concebê-lo e organizá-lo. Somos todos feitos do que os outros seres humanos nos dão: primeiro nossos pais, depois aqueles que nos cercam; a literatura abre ao infinito essa possibilidade de interação com os outros e, por isso, nos enriquece infinitamente. Ela nos proporciona sensações insubstituíveis que fazem o mundo real se tornar mais pleno de sentido e mais belo. Longe de ser um simples entretenimento, uma distração reservada às pessoas educadas, ela permite que cada um responda melhor à sua vocação de ser humano.”

Sem dúvida, um belo trecho que, no entanto, não o isenta de algumas reflexões:
1 - a descoberta de mundos, o alargamento de nosso universo (e o estímulo a imaginação de concebê-lo e organizá-lo), não seriam funções de toda e qualquer realização - palavra mágica - cultural? Tenho certeza que a "velha senhora" não se encontra só no desempenho deste papel...
2 - Sei que a pergunta que acabo de fazer acima é bastante óbvia. Mas ela tem uma razão de existir mediante a afirmação de que a arte da escrita seria "mais densa e mais eloqüente que a vida cotidiana". Vivesse o autor cá por estas bandas, onde o dia a dia é constantemente preenchido por narrativas recheadas de mães que doam seus filhos, tarados que bolinam mulheres à luz do dia, balas gratuitamente direcionadas a pedestres vestidos com camisas de seus clubes de futebol, talvez sentisse na pele (e no juízo) a densidade e a eloquência da barbárie em seu funcionamento comum. A literatura para conquistar esse lugar que - incrível! - frequentemente se arroga, ela tem que rebolar, rebolar, rebolar...

2 comentários:

BelaCavalcanti disse...

Beto, que bom vc voltar... fazia tempoq ue não tinha nada aqui. Ótimo post.

Vanessa disse...

Animal demais essa citação!

Como não li isso ainda?!? Certeza que será minha próxima vítima. Já procrastinei demais para começar a ler Todorov.

Muito boa mesmo, cheguei a me ver ali, nas palavras escritas por ele.

Entendo o papel da cultura no alargamento do universo, mas acho que Todorov estava falando de uma condição mais introspectiva.

Eu mesma vivo me distanciando do mundo, ao mesmo tempo em que me encontro nele através da literatura. É como ele disse:

"ela me faz descobrir mundos que se colocam em continuidade com essas experiências e me permite melhor compreendê-las"

Essa passagem também é digna de aplausos, mesmo que óbvia:

"a literatura amplia o nosso universo, incita-nos a imaginar outras maneiras de concebê-lo e organizá-lo"

É assim com a história também!