segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Aulas de cidadania do professor Risério*

Entre as leituras de verão que faço, uma vem chamando a minha atenção de forma especial. Trata-se do livro A utopia brasileira e os movimentos negros (capa ao lado) do poeta e ensaísta baiano Antônio Risério - uma indicação do professor de Letras da UFPE Anco Márcio que colhi por acaso no programa de televisão Opinião Pernambuco (TVU). O trabalho é uma coletânea de artigos sobre a questão racial no Brasil, tema pra lá de espinhoso, mas que é muitíssimo bem conduzido pela boa prosa do autor. Nos textos, Risério ataca a importação da política racial norte-americana para o nosso país - encampada por alguns intelectuais e lideranças do movimento negro - e exalta a nossa mestiçagem, respeitando defensores clássicos deste conceito como Gilberto Freyre, mas numa posição muito mais cosmopolita, distante da "doce" cristalização social açucarada do mestre de Apipucos. Além de mexer nestes "vespeiros", ele constrói ótimos panoramas de aspectos culturais brasileiros, como, por exemplo, uma interessante descrição da trajetória do candomblé no patropi, desde os primeiros grandes terreiros de Salvador até a sua época áurea quando foi adotado pela elite artística-intelectual brasileira (perdão pelo pleonasmo!) nos anos 1960-70, relato que se encontra no artigo "Presença de Exu", texto que contém esta bela passagem sobre a cultura religiosa dos povos iorubás:

"...a formação religiosa iorubana nada tem de 'salavacionista'. Africanos antigos nunca viveram ad majorem Dei gloriam. E aqui chegamos a uma tríade que marca todo o pensamento religioso clássico da África: antropocemtrismo, geocentrismo, pragmatismo. [John]Mbiti fala que, para compreendermos as religiões africanas, é preciso compreender a ontologia africana - uma ontologia 'extremamente antropocêntrica', onde o ser humano está numa posição-chave em relação a tudo o mais. Dominique Zahan não é menos categórica: o ser humano é o elemento central de um sistema ao qual ele mesmo impõe uma orientação centrípeta. A idéia de uma finalidade exterior à humanidade é estranha a tal pensamento. 'O homem não foi feito para Deus ou para o universo; ele existe para ele mesmo e carrega dentro de si mesmo a justificativa de sua existência.' Na verdade, as coisas parecem ser ainda mais extremas. 'Ibiti enià kò si, kò si imalè', ensina um ditado iorubano, registrado por Idowu: 'onde não há ser humano, não há divindade'. Os deuses são uma criação humana. Karin Barber abordou diretamente a questão: 'O conceito de que os deuses são criados pelos homens e não os homens pelos deuses é um truísmo sociológico. Pertence obviamente a uma tradição distanciada e crítica, incompatível com a fé naqueles deuses. No entanto, a religião tradicional iorubá apresenta uma concepção muito semelhante que, longe de indicar ceticismo ou declínio de crença, parece constituir um impulso vigoroso em direção à devoção'. Os iorubanos criam um segredo, investem uma entidade de poder, alimentam tal poder e glorificam tal entidade, beneficiando-se então da grandeza que forjaram. Passam a depender de um poder que depende deles. Uma relação de reciprocidade, portanto. Enfim, quando o que está em foco é a África, podemos dizer que, no sistema solar da religião, o ser humano é o sol."

Os artigos de A utopia brasileira e os movimentos negros são aulas de cidadania fundamentais para que nós, mestiços brasileiros (e somos todos!), tenhamos mais consciência do nosso lugar no caldeirão cultural nacional...


Infos:
UTOPIA BRASILEIRA E OS MOVIMENTOS NEGROS, A (2007)
RISERIO, ANTONIO
EDITORA 34
Preço = R$ 54,00

Ou então de graça aqui!

*Este post é dedicado a fotógrafa Dani Dacorso - que deve ler o livro!

Um comentário:

DD disse...

Sim Sinhô Mestre Dotô!!!!!!
Mas esse povo fala muito enrolado,Beto, tem que ler dez vezes pra entender!
marcamos um GT pro proximo encuentro, formou??
beijos e saudades, não tanto quanto a Peq,mas muitas.